Não se trata apenas de uma reforma, mas de uma suave revolução. É o que me vem à mente quando observo os termos do debate, nos últimos dias, feito de vazamentos e alguma confusão, em torno da reforma da Previdência.
Seu ponto mais interessante é a mudança aparentemente singela que o ministro propõe nas relações de trabalho: a criação de um novo regime de contratação direta, sem “carta del lavoro, legislação trabalhista, sindicato”.
O regime manteria, ainda não se sabe bem de que jeito, direitos constitucionais, como férias e décimo terceiro salário, mas dispensaria a proteção dos acordos sindicais e da Justiça do Trabalho. Em troca, ofereceria a perspectiva do pleno emprego.
Na visão de Guedes, há a ideia de um marco divisório entre dois Brasis. Um país velho, corporativo, regulado por uma legislação pesada, ancorado em uma Justiça do Trabalho que custa R$ 17 bilhões/ano ao país, e um país arejado, globalizado, algo selvagem, mas capaz de absorver tecnologia e praticar a saudável destruição criadora em alta velocidade.
Não estou dizendo que tudo isto aconteceria, ou que seja exatamente esta a visão de Guedes. Mas não tenho dúvidas de que ela caminha nesta direção. Seu núcleo definidor, no fundo, vai muito além do terreno meramente econômico.
Trata-se de uma visão do Brasil. Uma recusa do ethos paternalista e protetivo que marca o Estado brasileiro, desde os anos 30, em favor de uma cultura propensa ao risco, fundada na liberdade de escolha, no mérito e responsabilidade individual.
Seria Paulo Guedes, e não Fernando Henrique, a fechar gloriosamente o longo ciclo da era Vargas.
O outro ponto da revolução de Guedes é o regime de capitalização, na Previdência Social. Os entrantes no sistema poderiam optar pela gestão privada e individualizada dos recursos, em um sistema concorrencial em alguns aspectos semelhante ao implantado no Chile, nos anos 80.
De novo, há a ideia dos dois Brasis. O país velho, desenhado sob medida para quem “legisla e julga” e tem cacife para capturar o naco mais gordo dos recursos extraídos da sociedade, no sistema de repartição simples, contra o país moderno, lastreado em um amplo mercado de previdência privada capaz de alavancar o investimento e crescimento da economia.
Este, de fato, é o coração da reforma de Paulo Guedes. O resto, no fundo, é coisa pequena. Idade mínima aos 65 anos, igualdade entre homens e mulheres, aumento do tempo de contribuição, corte de privilégios para as carreiras públicas. Tudo isto ajuda, contribui para o ajuste estrutural, gera alguma equidade, mas no fundo é a pauta de um país que ainda pensa com a cabeça no século XX.
De minha parte, suspendo o julgamento. Penso realmente que os temas propostos por Guedes devem ser discutidos com seriedade. Não é trivial que tenhamos um superministro da Economia que proponha uma mudança de paradigmas como esta para o país.
Os obstáculos à frente são um tanto óbvios. O maior deles é saber se esta é uma “agenda Paulo Guedes” ou é uma agenda do governo. Logo saberemos.
O resto é sabido. O governo tem uma base inorgânica e incerta, no Congresso. Seu líder, deputado Major Vitor Hugo, é um político jovem, de boa formação, mas quase nenhuma experiência política. De quebra, Rodrigo Maia, o real avalista da reforma, optou pela tramitação completa da PEC, o que significa começar do zero, na Câmara.
Sendo realista, e mantido este cenário, temos no mínimo um ano de tramitação pela frente. No melhor cenário, é possível imaginar a aprovação da reforma, no Senado, para o final do ano.
Neste percurso, pago para ver a revolução proposta por Paulo Guedes ir à frente. Há um lado do Brasil que é moderno, urbano, globalizado e potencialmente simpático a um choque liberal. Mas há o Brasil reacionário, preso à crença no Estado, à cultura corporativa, dos políticos profissionais da mediação e do deixa disso.
No fundo, é o Brasil da inércia e da procrastinação.
No final do ano saberemos. O Brasil é uma grande democracia e o debate será intenso. O ritmo será dado, em grande medida, pelo caos das redes sociais. A necessidade de gerar consensos fará com que se jogue ao mar tudo aquilo que destoar do bom senso e do espectro de preferências do eleitor mediano, no Congresso.
Minha aposta é que terminaremos o ano com alguma reforma, mas longe da revolução proposta por Paulo Guedes. Se estiver errado, terminarei o ano, confesso, bastante surpreso com o Brasil.
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