Filipe Oliveira

Na Folha desde 2011, Filipe Oliveira é repórter de Mercado e assina o blog Haja Vista. É graduado em música e tem deficiência visual

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Filipe Oliveira
Descrição de chapéu Tóquio 2020 paralimpíadas

Aceitar a deficiência é o primeiro desafio para muitos campeões

Olhar a realidade com lucidez e se reinventar não tem a ver com assumir derrota

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Aos 21 anos, o nadador Gabriel Bandeira já conquistou medalhas de ouro, prata e bronze nas Paralimpíadas de Tóquio.

Apesar de nadar há dez anos, Bill, como é conhecido, só passou a disputar competições dividindo a piscina com outros atletas com deficiência intelectual a partir de 2020.

A mudança para a categoria S14 veio após um técnico, atento a algumas dificuldades de memorização do atleta que se acentuaram ao longo dos anos, suspeitar que ele fosse elegível para competir na categoria em que ele se consagrou nos últimos dias.

Hoje feliz e realizado, o atleta a princípio relutou em fazer os exames que constataram que, com QI abaixo de 75 pontos, estava dentro do limite para entrar na disputa. Os primeiros adversários a serem vencidos foram seus próprios medos e preconceitos.

Nadador comemora sentado na raia e erguendo os braços na piscina
O multimedalhista brasileiro Gabriel Bandeira relutou em fazer os exames que apontaram sua deficiência intelectual - Miriam Jeske/CPB

A biografia de muitas pessoas com deficiência tem como um de seus principais capítulos momentos como esse, em que a pessoa se depara com um espelho —mesmo que visto só metaforicamente—, enxerga-se com clareza e consegue perceber ali beleza onde parecia haver imperfeição.

São muitos os que, por ainda não terem passado por esse processo, não conseguem permitir que todo o seu potencial floresça.

São cegos e, principalmente, pessoas com baixa visão que se recusam a usar uma bengala para que possam ter mais autonomia e, em vão, tentam manter sua deficiência escondida. São pessoas com limitações motoras que evitam a cadeira de rodas e se desgastam muito mais com muletas ou um andar sem firmeza nem segurança. Ou que não saem de casa para não expor um corpo que não é igual ao esperado e que as envergonha.

Há também quem, inconformado com sua condição, dedica tempo, dinheiro e esperança seguindo promessas de cura tão milagrosas quanto ilusórias, em vez de buscar os melhores recursos para encontrar o mais alto rendimento dentro de suas possibilidades.

São muitos os motivos para que a deficiência venha junto com a falta de fé em si mesmo. Para começar, conhecemos e celebramos poucos exemplos de pessoas na mesma condição que tenham chegado ao pódio. A maioria de nós conviveu com poucos amigos que tinham uma vida independente a despeito de suas deficiências físicas. Também não estamos habituados a ver essas pessoas nos papéis de destaque dos filmes, séries, novelas e propagandas, a menos que o holofote esteja em suas dificuldades.

Esse olhar cheio de estigmas contamina inclusive quem tem uma deficiência e, principalmente, quem a adquiriu ou a descobriu mais tarde.

Na conversa do dia a dia, é comum dizermos entre nós que uma pessoa que vive dessa forma ainda não aceitou sua condição.

Aceitar não tem a ver com assumir a derrota. É olhar a realidade com lucidez e se reinventar.

Talvez seja preciso aprender a sonhar novos sonhos. Pode ser que a menina que não se sustenta mais nas pernas sem um apoio precise deixar de fazer exercícios exaustivos para tentar se tornar a bailarina que sempre desejou. Vai doer. Mas quem sabe esse passo não fará nascer uma escritora, uma advogada, uma cantora.

Nossos campeões paralímpicos, ao escancarar potencialidades imensas no universo das deficiências, podem ajudar a tornar esse momento de olhar para dentro de si um pouco mais leve para muitos.

Cada medalha que atletas como Gabriel Bandeira conquistam ou o sorriso e as dancinhas festivas de seu xará e companheiro de natação Gabriel Araújo no pódio mostra que a realidade de todos é sempre cheia de significados e conquistas para quem busca ser o melhor de si a cada dia.

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