Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Flavia Lima

Noticiário e propaganda

Jornal deve diferenciar anúncio de notícia, sob pena de parecer endossar produtos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Não é de hoje que os anúncios publicados no site da Folha, considerados excessivos, são objeto de queixa.

Ilustração de um dedo preso na ratoeira
Carvall

Recentemente, porém, o que mais tem mexido com o humor dos leitores são os pequenos tijolos de anúncios que, localizados no fim das reportagens, destacam produtos de eficácia duvidosa para calvície, rugas, impotência ou obesidade. Os comentários ganharam força após uma reportagem do jornal The Intercept segundo a qual alguns veículos faturam com propaganda enganosa.

"A maioria desses produtos é inócua ou, quando muito, produz resultados bastante discretos, muito aquém do que os anúncios prometem. Urge que a Folha providencie o banimento desses anúncios de seu website", pede um leitor.

Quanto mais nobre a posição de um anúncio no site da Folha, mais caro ele é. Um banner posto no alto da primeira página tem um preço, posto dentro de uma reportagem, outro, a depender da audiência que a exposição oferece.

A Folha tem uma equipe comercial que vende parte dos anúncios do site, além de contar com outras empresas que oferecem esse tipo de serviço.

Uma delas é o Google, que negocia colocações em espaços predeterminados nas páginas do site (a chamada propaganda programática), unindo, de um lado, o que busca o anunciante e quanto está disposto a pagar e, de outro, o perfil de consumidores que o site tem a oferecer e quanto ele está disposto a cobrar pelo espaço.

Nesse caso, o jornal se propõe a entregar uma quantidade de cliques daquele anúncio e, batida a meta, a propaganda sai do ar e abre espaço para um novo anunciante.

Além do Google, que domina o mercado de venda de anúncios na internet, há ainda outras empresas focadas no comércio de links patrocinados, sendo duas delas as multinacionais Taboola e Outbrain.

São elas que bolam os tais tijolinhos que tentam emplacar produtos inúteis. No geral, elas ficam com a xepa: espaços que não foram negociados nem pelo departamento comercial nem pelo Google.

Antonio Manuel Teixeira Mendes, superintendente do Grupo Folha, explica que o jornal anuncia produtos que são autorizados pelas agências competentes, do mesmo modo que faz com a propaganda de um banco. "Evidentemente, a Folha tem condições de barrar algo que considere homofóbico, preconceituoso ou racista".

Uma leitora diz que os anúncios veiculados no pé das reportagens são tão ruins que certamente não estampariam as páginas da versão impressa. Mendes lembra que, na outrora agitada seção de classificados da Folha, o cardápio de anúncios era heterogêneo, incluindo, por exemplo, a oferta de serviços sexuais.

Historicamente, a publicidade sempre pagou o grosso das contas dos jornais tradicionais—da estrutura à mão de obra nas Redações.

Na migração para o ambiente digital, porém, isso se perdeu. Grandes empresas de tecnologia, como Google e Facebook, não só capturaram os anúncios como abriram espaço para uma queda relevante dos preços em razão de audiências colossais. Com isso, os jornais tiveram de se mexer.

Há outras soluções de financiamento do negócio, mas, entre os jornais tradicionais, o esforço agora é fazer que a circulação preencha o espaço deixado pela publicidade na receita. Isso, em um ambiente no qual as assinaturas digitais custam cerca de um quarto das assinaturas do jornal impresso.

A Folha não revela quanto assinatura e publicidade representam do faturamento, mas é possível dizer que o jornal ainda busca resolver a equação.

Nada disso, porém, serve de justificativa para que o leitor seja levado a confundir conteúdo pago com notícia. Para ficar no exemplo dos classificados, eles tinham um layout inconfundível e estavam numa seção apartada das notícias.

É verdade que os tijolinhos com anúncios de produtos inócuos, loteria ou celebridades trazem uma pequena tarja onde está escrita, em cinza, a palavra "patrocinado".

Mas a fonte usada nos títulos do que é conteúdo patrocinado e do que é conteúdo noticioso parece a mesma. Além disso, muitas vezes, o anúncio patrocinado aparece dentro de um conjunto com reportagens do jornal sob o título único: "recomendadas para você".

O resultado é que o anúncio de um emagrecedor emoldurado por uma imagem de uma grande barriga pode ser identificado facilmente, o que não ocorre com uma chamada mais sóbria, que fala em "30 cursos sem mensalidade de diversas áreas em todo o Brasil".

Essa vitrine de produtos de eficácia duvidosa é horrorosa e está muito distante do melhor da propaganda e do marketing. Não acho que os anúncios degradem o jornal, mas as queixas, no mínimo, indicam que a experiência do leitor pode ser melhorada, de modo que ele não seja levado a tomar por notícia o que era anúncio.

Como diz uma leitora, o jornal não é obrigado a saber se o carro ou o serviço que anuncia é de boa qualidade, mas tem obrigação de informar se uma notícia é notícia mesmo. Do contrário, fica parecendo que há endosso dos produtos.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmava que as multinacionais Taboola e Outbrain estavam em processo de fusão. Mas a iniciativa foi cancelada no início do mês de setembro. O texto foi corrigido.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.