Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Giovana Madalosso

Os animais sabem que vão morrer?

São comuns relatos de bichos que se escondem quando estão próximos da morte

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Já vou avisando aos humanos: não sou veterinária, nem bióloga, nem expert em bichos. Sou apenas a companheira de uma cachorrinha de apartamento que pesa menos do que a minha perna. No entanto, há poucos dias fui atingida por uma questão que, embora seja muito mais importante do que a cotação do dólar ou a previsão do tempo, em 47 anos de vida, eu nunca havia pensado a respeito.

Eu estava lendo Solenoide, romance do romeno Mircea Cartarescu, quando me deparei com o seguinte trecho: "nem o gorila nem a divindade sabem que vão morrer; só nós, situados a meio caminho entre a carne e o espírito, entre o bem e o mal, entre o sexo e o cérebro, entre a existência e a inexistência, temos gravada na testa a nossa sentença." Achei o trecho bonito. Sublinhei e transcrevi num arquivo, já planejando usar como epígrafe do meu próximo livro.

Cachorro deitado, com boina encobrindo uma das orelhas
Pug dorme durante evento de demonstração de cães em Nova York, nos Estados Unidos - Jeenah Moon - 29.jan.2023/Reuters

Depois disso, levantei-me e dei de cara com a minha cachorra observando a rua pela janela do apartamento. Vê-la divagando em seus mistérios, me fez pensar na pretensão do trecho transcrito. Como podemos afirmar que os animais não sabem que vão morrer?

Lembrei do caso do cachorro de um amigo. O labrador já estava muito velho, há anos vinha mostrando sinais de cansaço. Porém, numa certa noite, seu comportamento chamou mais atenção. Em vez de dormir ao lado da cama, como sempre fazia, foi para o quintal e uivou para o céu madrugada adentro, numa cena que seu dono, olhando em retrospecto, descreveu como um ritual de despedida. Naquela mesma manhã, o cachorro morreu.

Relatos como esse não são incomuns. Da mesma forma que não são os relatos de animais que se afastam de seus grupos ou que se escondem quando estão próximos da morte. Como a cachorrinha da minha irmã e da minha cunhada, que se aboletou num lugar que nunca ia: o espaço exíguo atrás de um sofá. O mais incrível é como a minha cunhada flagrou isso.

Foto de uma cachorrinha de pequeno porte escondida atrás de um sofá
Pouco antes de morrer, cachorrinha entrou atrás de um sofá - Arquivo pessoal

Advogada, quase nunca está em casa, sempre sai para trabalhar muito cedo, só voltando quando anoitece. Nesse dia, na hora do almoço, sentiu uma coisa estranha, uma necessidade urgente, ainda que inexplicável, de ir para casa. Chegando, encontrou a vira-lata atrás do móvel dando seus últimos suspiros.

As experiências paralelas de todos esses mamíferos levantam pontos interessantes. Se alguns sabem que vão morrer, como se dá esse saber? Podemos sentir o que vai acontecer conosco ou, ainda, com outros seres? E, além da morte iminente, será que a ideia de finitude pode ser sentida ou mesmo elaborada pelos animais?

Se fica difícil falar por uma espécie, imagine por todas, considerando que o reino animal vai de A de abelhas e advogados a Z de zebras e zagueiros. Mas uma coisa é certa: há vida inteligente fora do Sapiens. Provavelmente muito mais inteligente do que imaginamos, e só não percebemos isso porque a nossa própria inteligência é limitada as fronteiras sinuosas do nosso umbigo.

O zoólogo Frans de Waal diz o seguinte: "Quando alguém me pergunta se um elefante é um ser consciente, respondo: diga-me o que é consciência e eu lhe direi se os elefantes a têm."

E, afinal, o que tanto muda saber que somos finitos? Não posso falar pelos outros mas posso falar por mim. Porque sei que um dia vou morrer, amo as pessoas que estão ao meu redor com mais força. Porque sei que um dia meus pais vão morrer, mudei-me de cidade para ficar perto deles. Porque sei que tenho começo, meio e fim, escrevo, numa tentativa precária, atrapalhada e certamente inútil de ser eterna.

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