Me pergunto se Greta imaginava como acabaria o seu dia 17 de outubro. Atrás das portas do elegantíssimo hotel InterContinental Park Lane, em Londres, acontecia o "Energy Intelligence Forum", encontro de executivos da indústria de petróleo e gás. Do lado de fora, dezenas de manifestantes, entre eles a sueca, pediam pelo cancelamento da conferência, com cartazes e sombrinhas ilustradas com olhos, sob os dizeres "estamos de olho em vocês".
É compreensível que aqueles olhos estivessem arregalados. São as pupilas de jovens que estarão aqui dentro de 40 anos (quando os executivos do petróleo já estarão enterrados com seus dólares), assistindo a uma extinção em massa caso as emissões de petróleo não sejam cortadas pela metade até 2030 e por completo até 2050 –objetivos traçados pelo IPCC, maior autoridade mundial no assunto.
Nem sequer precisamos ir tão longe: hoje cerca 21 milhões de pessoas são diretamente impactadas por eventos climáticos a cada ano, número que vai aumentar exponencialmente nas próximas décadas, com previsão de 1,2 bilhão de refugiados do clima até metade deste século. Sendo o petróleo o principal causador da crise climática, era de esperar que uma transição energética efetiva estivesse acontecendo no mundo todo, mas o que vemos, atrás daquelas portas de hotel e inclusive no Brasil, são planos para que mais líquido negro seja extraído.
Se Mahatma Gandhi estivesse caminhando nas imediações do hotel londrino naquele dia, certamente louvaria o esforço das centenas de ativistas que ali estavam. Além de empunharem uma causa nobre, de respeito à vida humana e à de outras espécies, eles faziam uma manifestação totalmente pacífica e sem qualquer dano ao patrimônio público.
No entanto, 20 manifestantes foram detidos, entre eles Greta Thunberg, sob acusação de obstruírem a via e desrespeitarem regras impostas para o protesto. A imagem de uma das maiores ativistas do clima sendo detida passa um recado perverso para outros jovens e conveniente para alguns governos e corporações: não mexam com fogo. Ou, mais precisamente, não mexam com a fogueira onde a geração de vocês ainda há de arder.
É uma posição tão lamentável quanto previsível, que deve se acirrar nos próximos anos. Com a elevação do aquecimento, milhões serão empurrados para a faixa de pobreza. Como já apontado, também aumentarão os refugiados do clima. Naturalmente, a xenofobia vai aumentar. O caos social idem. E, como sempre, a truculência policial será a resposta –quando a resposta deveria ser a mudança de políticas públicas para mitigar o aquecimento.
Na Alemanha, França, Itália, Suécia, Países Baixos e Reino Unido já podemos sentir ventos sinistros soprando: protestos climáticos têm sido respondidos com prisão em massa (em um único dia, 1.500 manifestantes presos em Haia) e penas mais severas. Além disso, fica cada vez mais patente o esforço para prejudicar a imagem de ativistas pacíficos, tachando-os de vândalos ou hooligans.
Moral dessa triste história: além de lidar com um planeta em colapso, essa geração ainda precisa fazer isso sem despertar a repressão e a sanha destrutiva da mídia negacionista.
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