Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Joga 'comment' na Geni

À frente das redes sociais, homens brancos são insensíveis ao linchamento e se mostram reticentes em criar um ambiente seguro para usuários

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Que atire a primeira pedra quem nunca atirou uma pedra. Ou ao menos um pedrisco. Condenar o outro faz parte da natureza humana. Tanto que linchamentos morais sempre existiram. Só que as coisas mudaram com a internet. A desinibição atrás da tela e a amplitude de público da web –a maior praça pública da história– vem dando aos cancelamentos e linchamentos uma face ainda mais sombria.

Eu já fui a Giovana D’Arc em praça pública e posso dizer que, se é traumático passar por um linchamento, é ainda mais sendo mulher, porque as pedras são atiradas com a força extra da misoginia.

App de redes sociais
Desinibição atrás da tela e a amplitude de público da web dá os cancelamentos e linchamentos uma face ainda mais sombria - Leonardo Volpato/Folhapress

Será que um homem receberia as mensagens que já recebi?

"Burra caquética. Nem pra puta você serve". "Mulher de merda." "Vagabunda". "Vou mandar eles passarem na sua casa." "Aposto que você tem sovaco cabeludo e escreve suas colunas fumando um grande baseado (...) Tenho certeza que é uma mulher de meia-idade, solteira e com meia dúzia de relacionamentos ruins." "Putinha sem cérebro". "Você tem cara de lésbica". "Dinheiro na mão, calcinha no chão".

Infelizmente, não estou sozinha. Para a escritora Tatiana Salem Levy: "Hamas estuprou mulheres decentes, poderia ter estuprado você ao invés". Para a apresentadora Ana Paula Araujo: "alguém pede pra essa moça ir num cirurgião plástico urgente". Para a escritora Jessica Balbino: "Você tem que morrer por ser essa porca gorda." Eu poderia encher páginas com outros comentários. Só não o faço por falta de espaço.

Como todo mundo sabe, postagens de ódio geram mais engajamento. Portanto, são mais replicadas pelo algoritmo. Ou seja, as pedras na Geni tendem a se multiplicar exponencialmente.

E, às vezes, o ataque vai muito além dos comentários. O livro "A máquina do caos", de Max Fisher, mostra que certos linchamentos seguem uma cartilha replicada mundo afora: acuar a vítima, linchar seu empregador até que ela seja demitida e ameaçar a sua integridade —como fizeram com Brianna Wu, cujas ameaças de morte vinham acompanhadas da planta baixa de sua casa.

Esse foi um dos primeiros casos do gênero, em 2014. Por que linchamentos e exposições vexatórias de mulheres seguem acontecendo? Porque a internet ainda é uma terra quase sem lei. Além disso, a Justiça é lenta demais para frear os estragos velozes das postagens. E quem administra e monetiza as redes sociais são homens brancos insensíveis a essas questões e reticentes em criar um ambiente seguro para as comunidades que tanto lhes enriquecem, como aponta o depoimento constrangido e constrangedor de Zuckerberg no Senado dos Estados Unidos.

Depois de um linchamento, passei semanas sem dormir direito. Tive dificuldade para escrever. Medo de andar na rua. Se uma mulher como eu, de quase 50 anos, ficou assim, imagine as adolescentes que estão passando por linchamentos neste exato instante. A maioria delas irá adoecer emocionalmente, muitas de forma perene. Algumas vão tirar a própria vida, como outras já fizeram.

Até quando big techs, governos e sociedade irão assistir a essa realidade mórbida de braços cruzados? Ou ainda pior: com pedras na mão?

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