Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

Precisamos falar sobre autofobia

Cada ministro parece ter sido escolhido por quanto ele odeia a própria pasta

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O atual governo inaugura um conceito novo na política: a autofobia. Cada ministro parece ter sido escolhido não pela afinidade com a pasta, mas por quanto ele odeia a área. O ministro da Educação despreza as faculdades federais, o ministro do Meio Ambiente já tinha sido condenado por fraude ambiental, o ministro das Relações Exteriores não acredita em globalismo, o ministro da Cidadania acha que filmes nacionais “não têm plateia por serem muito ruins”, a ministra dos Direitos Humanos é a Damares Alves.

Imagino a entrevista de emprego: “A gente está procurando alguém para a pasta da Saúde”. “Olha, desde pequenininho que eu tenho um nojo profundo pelo SUS.” “Gostei.” “Se eu vejo uma UPA eu troco de calçada.” “Bacana.” “Inclusive quem financiou minha campanha foram planos de saúde.” “Você pode começar segunda-feira?”

Ilustração de Catarina Bessel para Gregório Duvivier de 14.ago.2019.
Catarina Bessell/Folhapress

O próprio presidente foi eleito desprezando as eleições. Passou meses dizendo que não dava para confiar na urna eletrônica, até ser eleito por ela. O país que ele governa tampouco seria o seu escolhido, caso pudesse escolher. Diz que o Brasil tem que se espelhar nos países “melhores que ele”, como os Estados Unidos, que estão “50 anos à frente da gente, afinal foram à Lua 50 anos atrás”. 

O mesmo ódio que Trump distila contra mexicanos, ou Salvini contra muçulmanos, Bolsonaro direciona aos próprios brasileiros, únicos culpados pelo seu subdesenvolvimento. O muro que Bolsonaro quer construir não é na fronteira da Venezuela, mas é em volta de cada condomínio, para proteger o Brasil dele mesmo.

Os inimigos declarados do presidente são também nossos símbolos nacionais: a Amazônia, o Carnaval, os povos indígenas. Suas bandeiras ele traz todas de fora, e elas apodrecem na viagem: “Vamos fazer um vale do nióbio!”. Tentou trazer de Israel uma tecnologia que já existe no Brasil desde 2004. 

Em vez de desprezar quem nos odeia, a gente vê sinceridade. O brasileiro, também ele, preferia ser outra coisa. O desprezo de Bolsonaro pelo país encontra o desprezo do país por ele mesmo e dá match por afinidade. “Se esse cara acha que eu sou um merda, pelo menos a gente tem alguma coisa em comum.”

Acho que nosso problema, talvez o primeiro, seja de autoestima. O Brasil ainda tá na adolescência, dando valor a gente merda. Faltou aquela aula de amor próprio. A gente merece coisa melhor que esse relacionamento tóxico.
 

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