Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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'2001: Uma Odisseia no Espaço' imaginou ida a Júpiter, mas não o celular

Era mais fácil, naquela época, prever uma viagem num ônibus espacial do que um telefone sem fio

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No filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”, o protagonista viaja da Lua a Júpiter num confortável ônibus espacial. Quando precisa ligar pra família, ele entra numa cabine telefônica, passa um cartão e aperta botões de metal como se estivesse num orelhão. Sua mulher não está em casa então ele pede à filha que avise sua mãe que ele ligou. Ou seja: Arthur C. Clarke imaginou a vida em Júpiter, mas não conseguiu imaginar o telefone celular.

A culpa não é dele. O próprio Clarke já tinha dito que falharia, num livro sobre os perigos da profecia e as falhas da imaginação. “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia.”

A única certeza que a gente tem sobre o futuro é que não existem ferramentas no mundo de hoje pra imaginá-lo. Na época, era mais fácil imaginar um ônibus espacial do que um telefone sem fio.

Nos anos 1940, todas as distopias apontavam pra novas guerras, nos anos 1970 pra novos planetas. Quando penso no futuro, só penso em novas pandemias. Mas resta um consolo: se conseguimos imaginar, é porque não vai acontecer. Ufa. A história nos mostrou que o futuro nos reserva um tipo muito surpreendente de desgraça.

Reli “1984”, que acaba de sair numa edição espetacular da Antofágica —essa editora que publica apenas clássicos, que é uma maneira elegante de dizer que ela publica apenas autores a quem não é preciso pagar direitos autorais. Clássico é um livro cujo autor não está vivo pra reclamar da capa.

Ilustração de um smartphone com uma imagem na tela, na qual está escrito em preto "Big Brother is watching you" com a parte dos olhos do rosto de uma pessoa no meio e o fundo todo azul. Na parte inferior, há um ícone de uma mão com o polegar sinalizando gesto positivo e "You like this." escrito na frente do ícone.
Catarina Bessel/Folhapress

E que clássico. As falhas da imaginação do Orwell deixam claras as falhas da nossa imaginação. Outros autores já tinham previsto um mundo cheio de telas. Acho que Orwell foi o primeiro a imaginar que essas telas também te filmariam o tempo todo. Mas errou ao imaginar que essas telas seriam instaladas por um governo autoritário, à revelia da população, que resistiria a essa violência.

A culpa não é dele. Ninguém podia imaginar que a gente cederia tão facilmente a nossa privacidade. E pior: que a gente pagaria milhares de reais pra adquirir um aparelho que capturasse nossos dados e vendesse pra corporações sem nos dar nada em troca.

A gente trocou nossa vida e meses da nossa força de trabalho por meia dúzia de likes.

Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da estupidez.

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