Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

Cheguei à conclusão de que tenho uma cara péssima

Já nasci com olheiras, como se fosse filho de um panda com o José Serra, o que deve ser culpa desse nome quase extinto

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"Tá tudo bem com você?", me perguntam, todo dia, interlocutores consternados. "Acho que sim. Por quê?" "É que você tá com uma cara péssima." O diálogo já aconteceu diversas vezes. Tem acontecido cada vez mais. Cheguei à conclusão, talvez tarde demais, de que tenho uma cara péssima. E de que está piorando. Não há o que fazer.

As pessoas falam como se eu tivesse um cardápio de caras à minha disposição. Não tenho. Já tentei dormir 12 horas seguidas pra melhorar a qualidade da cara. Impossível. Descobri que tenho um tipo de olheira que resiste ao sono: é a olheira estrutural. Não há noite bem dormida que reduza o tamanho das bolsas. Tenho a impressão de que até pioram com o sono. Toda vez que durmo demais me perguntam se eu passei a noite em claro.

Colagem com fundo vermelho e duas fotos iguais do rosto do colunista, mas em uma há um recorte como se fosse um sorriso e em outra um sorriso invertido, fazendo referência às máscaras de tragédia e comédia do teatro.
Ilustração de Catarina Bessell para coluna de Gregório Duvivier de 17.ago.2022. - Catarina Bessell

A preocupação das pessoas piorou desde que passei a aparecer na TV maquiado por profissionais especializados em tornar uma cara menos péssima. Ao me ver de cara limpa, tomam um susto. Percebo o olhar de confusão do espectador: "Será que ele tomou um soco em cada um dos olhos? Será que o Gregorio tem um irmão gêmeo insone e deprimido?".

A verdade é que já nasci com olheiras, como se fosse filho de um panda com o José Serra. Deve ser culpa desse nome quase extinto. Um bebê Gregorio já vem com rugas, tosse e interesse por gramática.

Pra piorar, tenho pálpebras preguiçosas. Quase nunca abro os olhos por completo. Parece que meus cílios pesam uma tonelada. Durante um tempo inventei de arregalar os olhos pra parecer mais saudável. Que desastre. Em todas as fotos desse período pareço um vampiro cocainômano de olho no seu pescoço.

Pra piorar, a calvície, antes de derrubar os cabelos, torna eles finos, secos e quebradiços. Sim, antes de matar os cabelos, a calvície humilha. Os cabeleireiros me dizem que tenho um topete piscina —"tá cheio, mas dá pra ver o fundo". Daí salpicam minha cabeça de Topik, um pozinho preto que torna a piscina mais turva. Um dia tentei passar isso pra sair de casa, mas não aguentei o ridículo de temperar meu próprio cocuruto como se fosse uma tigela de sopa.

Aprendi a tirar proveito da minha fuça eternamente exausta. Nos ensaios intermináveis de teatro, sempre me mandam primeiro pra casa: "Pode ir, você tá detonado". Mal sabem eles que nasci exaurido.

Escrevo essa crônica como um alerta pra que não se assustem, caso se deparem comigo andando por aí, com uma cara péssima. É sinal de que não estão se confundindo.

Deve ser eu mesmo.

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