Depois dos depoimentos chocantes das vítimas da Covid, hoje seria lido o relatório final de Renan Calheiros na CPI, que deve agora esperar mais uma semana. Renan já anunciou que pedirá o indiciamento de Bolsonaro por 11 crimes e de mais 62 pessoas, entre ministros, ex-ministros, deputados bolsonaristas, funcionários do governo e os três porquinhos Carluxo, Eduardo e Flávio.
A ficha corrida contra Bolsonaro envolve crime de epidemia com resultado de morte; infração de medida sanitária preventiva; homicídio comissivo (por omissão); charlatanismo; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; genocídio de indígenas; incitação ao crime; falsificação de documento particular; crime de responsabilidade; e uma denúncia ao tribunal de Haia por crime contra a humanidade. O adiamento do relatório deveu-se a uma divergência em relação a imputar ou não o crime de genocídio ao presidente. Quanto aos demais, parece que há acordo.
Após a votação do relatório —com mais ou menos retalhos— os pedidos de indiciamento serão encaminhados à Procuradoria Geral da República. Pelo rito legal, a PGR analisará os casos que têm foro especial e decidirá se apresenta ou não denúncia ao Supremo. No caso do presidente, se denunciado, o STF tem que pedir autorização à Câmara para instaurar o processo criminal.
Portanto, encerrada a CPI, a bola estará agora com Augusto Aras. O histórico, convenhamos, não é muito animador. Aras notabilizou-se até aqui por blindar Bolsonaro de todas as investigações possíveis e foi recompensado com a recondução ao cargo em agosto. Neste mesmo mês, chegou a ser enquadrado pela ministra Cármen Lúcia a se pronunciar em 24 horas sobre os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, após 13 dias de silêncio diante de uma notícia-crime.
Há também uma avaliação corrente de que Aras ainda sonha com a vaga aberta no Supremo e de que a demora de Davi Alcolumbre para marcar a sabatina de André Mendonça seria uma operação para favorece-lo. Se de fato o PGR nutre essa esperança, tenderá a ser ainda mais dócil com Bolsonaro.
Mas a vida é mais complexa. A CPI teve uma repercussão sem precedentes e mobilizou os sentimentos da sociedade. Muitos depoimentos expuseram sem filtro os crimes praticados pelo governo Bolsonaro na pandemia, além de terem levado as investigações para a corrupção, tema sensível à própria base bolsonarista. A ferida dos 600 mil mortos está aberta e ainda sangra. Não será fácil para Aras, mesmo que queira, simplesmente engavetar o relatório e os pedidos de indiciamento.
De um lado, está o eventual compromisso político com Bolsonaro e, quiçá, o sonho de uma cadeira no STF. De outro, o clamor social por justiça em relação ao maior morticínio da história brasileira desde a colonização. O Procurador-Geral está diante da decisão de sua vida, que terá forte impacto na vida da nação. Ficar ao lado da justiça ou do poder? Dos algozes ou das vítimas? E agora, Aras?
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