Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Descrição de chapéu Livros

'O Produtor da Tropicália' fala sobre união do gênero com a música sertaneja

Livro de Renato Vieira sobre Manoel Barenbein recupera saborosos momentos perdidos da memória da cultura brasileira

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São Paulo

O mercado de livros sempre foi meio rastaquera no Brasil, especialmente para as publicações musicais. No entanto, nos últimos anos uma nova possibilidade surgiu para os autores: o financiamento coletivo. Os interessados ajudam e podem ganhar brindes de acordo com a participação voluntária.

Uma das obras mais interessantes em processo de financiamento coletivo atualmente é o livro do jornalista Renato Vieira, sobre o produtor Manoel Barenbein.

Ele foi o produtor de discos de Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Gal Costa, João Gilberto, Jorge Ben, Mutantes e Maria Bethânia entre 1967 e 1972. E ainda produziu trabalhos com Erasmo Carlos, Nara Leão, Rogério Duprat, Ronnie Von, Claudette Soares e Jair Rodrigues.

Manoel Barenbein, responsável pela produção dos álbuns do movimento tropicalista
Manoel Barenbein, responsável pela produção dos álbuns do movimento tropicalista - Eduardo Knapp/Folhapress

Baseado no podcast de mesmo nome que foi ao ar pela série Discoteca Básica Apresenta, o livro de Vieira, intitulado "O Produtor da Tropicália – Manoel Barenbein e os Álbuns de um Movimento Revolucionário", tem prefácio do acadêmico Gilberto Gil e está em processo de financiamento coletivo pelo site Catarse.

O objetivo é editá-lo pelo selo Garota FM Books, da jornalista Chris Fuscaldo, que vem publicando livros de grande importância para a música brasileira.

Uma das mais curiosas partes da obra conta a participação de Manoel Barenbein num disco cujo lançamento uniu o maestro tropicalista Rogério Duprat e a música caipira e sertaneja.

Em 1970, Duprat gravou o LP "Nhô Look — As Mais Belas Canções Sertanejas", no qual regeu uma orquestra tocando versões de clássicos da música rural aliados. Entre as canções escolhidas por Duprat estavam "Tristeza do Jeca", "Moda da Mula Preta", "Beijinho Doce", "Vida Marvada", "Piracicaba", "Boneca Cobiçada" e "Luar do Sertão".

Manoel Barenbein lembra com carinho da gravação que, para ele, deu liga: "Na introdução do ‘Vida Marvada' a gente tem certeza de que vai entrar Gilberto Gil cantando, sabe?", disse o produtor. "A estrutura de ‘Beijinho Doce’ lembra um pouco a de ‘Enquanto Seu Lobo Não Vem’, que Caetano gravou no disco 'Tropicália'. Tem uma música que eu pedi para entrar por causa do espírito comercial dela, [o bolero] ‘Boneca Cobiçada’, de Biá e Bolinha. Duprat fez um belo arranjo para essa música", afirmou Barenbein.

O nome do disco de Duprat era uma brincadeira com a expressão "new look", comum na época para expressar as novidades do momento. Corajosa, a gravadora Philips investiu na empreitada. O lançamento do disco aconteceu num show na Feira de Utilidades Domésticas, em São Paulo, no início de setembro de 1970.

A apresentação contou com Tonico & Tinoco, Os Mutantes e o músico Lanny Gordin, conhecido guitarrista dos discos de Caetano e Gil. Rock e música rural unidos. Rita Lee cantou ao lado da dupla "Coração do Brasil", como Tonico & Tinoco eram conhecidos, e as guitarras dos Mutantes soaram ao lado das violas.

"Nhô Look" foi resultado das insatisfações estéticas de Duprat. Ele percebeu que, depois que Caetano e Gil foram exilados, em 1969, o tropicalismo passou a ser consumido pelas esquerdas que antes os agrediram.

Os tropicalistas haviam sido muito criticados entre 1967 e 1968 por ousar misturas improváveis, especialmente com a música da jovem guarda, considerada banal e mercadológica pela intelectualidade progressista de então. Quando foram exilados, começou a canonização do tropicalismo: a distância, eles tornaram-se mais palatáveis

E Duprat ficou incomodado. Era preciso fazer novas misturas que seguissem chocando a intelectualidade de classe média. A música sertaneja e caipira virou seu braço direito nesta empreitada. Afinal, misturar-se à música sertaneja era algo inadmissível para a MPB da época, como talvez ainda continue sendo.

Apesar de sua ousadia, ou talvez por causa dela, o disco foi muito pouco ouvido na época. É uma pena que essa passagem da história da música brasileira tenha sido apagada da memória de muitos brasileiros e também da bibliografia musical nacional. Até agora. O livro de Renato Vieira sobre o produtor Manoel Barenbein recupera, entre outras passagens, alguns destes momentos perdidos da memória tropicalista. A despeito dos puristas musicais, a tropicália e a música sertaneja têm algo em comum: sempre estiveram abertas a incorporações e aproximações com outros gêneros.

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