Durante o final do processo de impeachment de Fernando Collor, em 13 de setembro de 1992, um irritado Lulu Santos discursou no programa Domingão do Faustão, da Globo. Com o dedo em riste, Lulu bradou: "Eu só queria lembrar a vocês que houve quem desejasse Fernando Collor e houve quem desejasse essa música sertaneja. Eu acho que a música sertaneja foi a trilha sonora dessa malfadada administração. Eu gostaria que uma fosse embora junto com a outra!".
Durante muito tempo os sertanejos carregaram a marca de serem "a trilha sonora da era Collor". Para o público que não acompanhava o gênero, parecia que o inédito sucesso nacional da música sertaneja tinha como explicação o fato de Collor e a primeira-dama, Rosane, serem fãs do gênero.
Alguns acontecimentos selaram a associação do então presidente com os sertanejos: duas visitas à Casa da Dinda, residência não oficial de Collor, à beira do lago Paranoá, em 1992.
Era o ano em que o governo se afogava em casos de corrupção e os sertanejos foram levados à residência presidencial por Gugu Liberato. O apresentador do SBT capitaneava o programa Sabadão Sertanejo e era dono da Promoart, caravana que levava artistas Brasil afora.
A primeira dessas visitas aconteceu em meados de março de 1992, quando Gugu levou seu programa aos quintais da Casa da Dinda: "Nós viemos realizar o Sabadão Sertanejo aqui em Brasília porque estamos completando esta semana dois anos de governo do presidente Collor. Nós quisemos fazer uma visita surpresa! [Trata‑se de] um presente que nós quisemos dar ao casal Rosane e Fernando Collor de Mello", disse Gugu.
Estiveram presentes Chitãozinho e Xororó, Sula Miranda, Zezé Di Camargo e Luciano, Jean e Marcos e artistas da Promoart como Dominó, Polegar, Marcelo Augusto.
Nesta visita, Zezé cantou para Collor a composição "Garoto de Rua", que trata do drama das crianças abandonadas brasileiras: "Você que fica aí parado vendo televisão/ De repente uma notícia forte te chama a atenção/ Uma cena estúpida, brutal e cruel/ Mas ainda parece tão pouco/ Pra mudar seu coração/ Você tem em suas mãos a força e o poder/ Mas não tem a sabedoria pra entender/ Que o Brasil é a sua pátria acima de tudo/ E o povo precisa de luz pra sair desse escuro".
A segunda visita foi mais marcante e se tornaria decisiva para a construção da pecha de "trilha sonora da era Collor". Gugu Liberato novamente levou os sertanejos à Casa da Dinda num sábado, 8 de agosto de 1992. Foram cerca de 90 pessoas, entre artistas e produtores.
Era a celebração do aniversário de Collor. A caravana, coordenada por Wigberto Tartuce, empresário do ramo da construção civil e proprietário da Rádio Atividade de Brasília, ofereceu ao presidente uma festa de aniversário antecipada.
Fretou aviões, alugou três ônibus e carregou para a Casa da Dinda os artistas sertanejos Leandro & Leonardo, Milionário e José Rico, Wilson e Soraia, Dalvan, Maurício & Mauri, Chitãozinho & Xororó e Jean & Marcos, além da cantora Beth Guzzo e do colunista social Ibrahim Sued, entre outros.
Segundo Tartuce disse na época, os artistas compareceram espontaneamente, e o custo da festa de CR$ 80 milhões iria para a Rádio Atividade, especializada em música sertaneja.
O empresário levou um bolo de 50 quilos com o desenho da bandeira nacional. Leandro & Leonardo e Chitãozinho & Xororó cantaram parabéns ao presidente e o cumprimentaram efusivamente.
O noticioso A Semana do Presidente, espécie de resumo semanal das atividades do presidente veiculado pelo SBT aos domingos desde o fim da ditadura, anunciou com orgulho a presença dos sertanejos nas comemorações. No fim, a voz do locutor Lombardi puxou o saco do presidente: "Que Deus lhe dê muita dignidade e sabedoria para que você continue governando nosso país". No mês seguinte vieram as passeatas que levariam à queda do presidente.
Em 2022 Collor se candidatou para o governo do estado de Alagoas. Ficou em terceiro lugar e não foi para o segundo turno. Nenhum sertanejo se lembrou dele.
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