Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Gustavo Alonso

Xuxa, rainha da música brasileira

Seu nome é fundamental na história da música dos últimos 40 anos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

No dia 27 de março, Xuxa tornou-se sexagenária.

Na seara musical, há certos personagens para os quais nossas opiniões estéticas valem menos do que os fatos. Independentemente do que se pense sobre a qualidade da obra de Maria da Graça Meneghel, fato é que ela é um nome importantíssimo da história da música brasileira.

Para começo de conversa, o mais óbvio: Xuxa ajudou a sedimentar um mercado fonográfico infantil no Brasil. Nessa seara, pode-se dividir a produção de discos para crianças em AX e DX —antes e depois de Xuxa.

Xuxa no programa 'Xou da Xuxa' - Divulgação

Antes de Xuxa, as gravadoras praticamente não viam o mercado infantil como alvo de grandes investimentos. O que havia nos anos 60 e 70 eram os discos do palhaço Carequinha com arranjos que emulavam cantigas de roda. Havia também discos com narração de histórias infantis e quase nada mais.

Sem uma produção massiva voltada exclusivamente para elas, naquela época as crianças tinham que se virar com a música dos adultos.

Canções de Roberto Carlos como "Brucutu", "O Feio" e "História de um Homem Mau" eram, segundo seu biógrafo, Paulo Cesar de Araújo, bastante chamativas às crianças. Eram músicas ingênuas, simples, com sonoplastia chamativa, que soavam como desenhos animados aos ouvidos infantis.

Canções como "Yellow Submarine" e "Ob-la-di-ob-la-da", dos Beatles, também agradavam às crianças pelos mesmos apelos.

Parte da obra de Wilson Simonal também atraía a garotada órfã de produtos exclusivos. Caso paradigmático foi a da canção "Meu Limão, Meu Limoeiro", gravada por Simonal em 1966. Não à toa, a canção foi regravada pelo rato italiano Topo Gigio em 1969, época em que aparecia em programa da TV Globo.

Foi só nos anos 1980 que o mercado fonográfico finalmente conseguiu sacar a importância da criança como consumidor. Grupos como Balão Mágico e Trem da Alegria e cantores como Angélica, Mara Maravilha, Sérgio Mallandro e, especialmente, Xuxa, foram fundamentais para a consolidação do ramo infantil massivo. Rapidamente, o gênero que era periférico na indústria se tornou uma de suas principais forças motrizes.

A cada lançamento, seu sucesso era medido em milhões de discos vendidos. E logo ela bateu um recorde que nem Roberto Carlos conseguiu em sua longa e exitosa carreira. Ela vendeu 3,2 milhões de cópias de um único disco, o "Xou da Xuxa 3", lançado em junho de 1988. Esse número só foi igualado anos mais tarde pelos principais discos sertanejos do início da década de 1990.

Todos os artistas que hoje ganham muito dinheiro no mercado musical infantil, como os palhaços Patati e Patatá, a dupla Palavra Cantada ou os pernambucanos do Mundo Bita, devem algo a Xuxa: a consolidação firme da música infantil massiva no Brasil.

Esse mercado tornou-se tão atraente que algumas estrelas da MPB e do rock também adentraram a seara. Em 2004, Adriana Calcanhotto gravou um disco sob o codinome de Adriana Partimpim voltado diretamente aos pequenos, assim como os mineiros do Pato Fu, que em 2010 gravaram o aclamado disco "Música de Brinquedo".

Mas a importância de Xuxa não se restringe ao mundo dos discos para crianças.

O jornalista Silvio Essinger mostrou em seu ótimo livro "Batidão: uma história do funk" como a rainha dos baixinhos foi fundamental para a consolidação do funk nos anos 90. Em seu programa "Xuxa Hits", exibido nas manhãs de sábado na Globo entre 1994 e 1996, eram frequentes a aparição de artistas ligados ao funk.

Numa época em que o gênero era associado a arrastões nas praias da Zona Sul carioca e violência nos bailes da periferia, o programa de Xuxa quebrou estereótipos e selou pontes sociais. O DJ Marlboro era figura constante, residente em todo programa. Atrações como Latino, MC Marcinho, Cidinho e Doca, Abdullah, MC Junior e Leonardo, Claudinho e Buchecha e MC D´eddy também apareceram nacionalmente através do programa de Xuxa. E no meio de tudo isso havia os dançarinos do grupo You Can Dance (Fly, Kadu, Kall, e Tom), que ensinavam passos de funk.

Em entrevista publicada na Mídia Ninja, DJ Marlboro comentou essa parceria: "Aquele momento da Xuxa foi muito importante, porque o funk estava sendo perseguido, massacrado, discriminado. Aí vai uma loira, rica, de olho azul e fala que é funkeira. Bota uma interrogação na cabeça de todo mundo. Não é música de preto, pobre e favelado?".

Xuxa dava continuidade à longa tradição de conexões entre asfalto e favela no Brasil, ampliando os elos intrarraciais e intraclasses sociais, a despeito das forças em contrário.

Goste-se ou não da produção musical de Xuxa, admire-se ou não seu papel de agitadora cultural e mediadora das cenas artísticas brasileiras, um fato é inegável: Xuxa é nome fundamental da história da música brasileira dos últimos 40 anos.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.