Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Gustavo Alonso

Daniel e a união da música sertaneja

Cantor é o verdadeiro embaixador do estilo musical

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Foi lançado há cerca de três semanas o DVD (ainda existe isso?) "Daniel 40 Anos: Celebra João Paulo & Daniel", gravado ao vivo no Vibra São Paulo, que pode ser assistido integralmente no YouTube. Trata-se da gravação de um show ao vivo somando 40 músicas ao todo.

A abertura impressionou muitos fãs da música sertaneja nas redes sociais. Daniel chamou 39 artistas para com ele somar 40 pessoas na abertura. Cada um dos convidados cantou um trecho de "Estou Apaixonado", maior sucesso de João Paulo & Daniel, de 1996. A canção é uma versão em português, feita por Carlos Colla, morto recentemente, para "Estoy Enamorado", da dupla argentina Donato & Estefano.

Apesar da boa intenção, não havia 40 artistas no palco. A ausência de Zé Neto & Cristiano, que estavam convidados, não fez diferença visual. A multidão de sertanejos ilustrou a força do gênero em celebrar suas próprias vitórias.

O sertanejo tornou-se a música massiva mais popular do Brasil também por que conseguiu se apresentar como grupo unido, onde todos se dão muito bem. Não é verdade, claro. Em qualquer meio sempre existem aquelas figuras polêmicas ou vistas com certa resistência. Mas um personagem simpático como Daniel conseguiu forjar a impressão de um meio integrado, que compartilha vitórias e sabe celebrar o passado com as diversas gerações do presente.

Apesar de não ter sido decisivo para a história da música sertaneja como foram Chitãozinho & Xororó e Zezé Di Camargo & Luciano, na geração dos anos 90, Victor & Leo, na geração "universitária" dos anos 2000, ou Marilia Mendonça, mais recentemente, Daniel se destaca como um grande articulador do gênero.

Ele consegue sempre posar de bom moço, respeitoso e paciente. Tem até o apelido de "príncipe", por sua postura sempre educada e a forma gentil com que trata as pessoas, sejam os fãs, seja a imprensa, sejam outros artistas e até mesmo as insistentes lideranças locais que contratam seus shows. É quase unanimidade no meio.

Daniel construiu essa imagem evitando se envolver em polêmicas. Na última eleição, em 2022, enquanto nomes como Chitãozinho, Zezé Di Camargo, Gusttavo Lima e outros sertanejos caíram de cabeça na defesa do bolsonarismo, Daniel optou pela prudência em entrevista à Folha: "Não sei até que ponto é interessante, quando há uma manifestação, o artista se manifestar também. Tem que ter um certo cuidado em relação a isso para não piorar ainda mais as coisas", disse.

Sua trajetória profissional começou nos anos 1980, com o amigo João Paulo, morto precocemente em 1997, em um acidente automobilístico. Eles eram a síntese do Brasil miscigenado, uma das raras dupla de um negro e um branco na música sertaneja.

Desde a morte do parceiro, Daniel se esmerou em fazer amigos. A partir de 2000, quando gravou o disco "Meu reino encantado", fez questão de gravar clássicos tradicionais do sertão, selando pactos de animosidade com músicos caipiras. Ele tornou-se uma ponte entre os dois mundos que frequentemente dividem a ruralidade entre modernizadores sertanejos e folcloristas caipiras.

A obra teve quatro volumes ao longo da década e, ao final dela, Daniel atuou no remake de "Menino da Porteira", em 2009, cujo papel havia sido de Sérgio Reis no filme original de 1976. Bem enfronhado na tradição, Daniel ganhou até o aval de Inezita Barroso, artista octogenária que comandou até a morte o "Viola, Minha Viola", da TV Cultura, sempre evitando a música sertaneja. Inezita disse a Daniel em uma de suas idas ao programa: "Você sabe escolher muito bem seu repertório, graças a Deus!".

O artista também soube construir pontes com a MPB. Quando João Paulo morreu, Daniel cantou a bela "Canção da América", de Milton Nascimento: "Amigo é coisa pra se guardar/ Debaixo de sete chaves/ Dentro do coração". Ao longo da carreira, seguiu gravando artistas da MPB, como Djavan ("Meu Bem Querer"), Marisa Monte ("Amor, I Love You"), Gal Costa e Tim Maia ("Um Dia de Domingo"), Geraldo Vandré ("Disparada"), Herbert Vianna ("Se Eu Não Te Amasse Tanto Assim"), Carlinhos Brown ("Tantinho"), Gonzaguinha ("Maravida"), Guilherme Arantes ("Meu Mundo e Nada Mais") e Lulu Santos ("Apenas mais uma de Amor").

Celebrando a fama de bom moço, menino de família, Daniel gravou diversas faixas com seu pai ao longo da carreira. A primeira vez foi no primeiro disco solo, de 1998, muito antes portanto do filme "Dois Filhos de Francisco" (2005), que transformou em senso comum a celebração da figura paterna na música sertaneja. Seu José Camillo, seu pai, participa do DVD lançado neste ano.

Apesar da grande amizade no meio, a ausência de alguns sertanejos no DVD chamaram a atenção. Leonardo e Zezé Di Camargo foram negligenciados. Em recente entrevista, Zezé procurou contemporizar: "Quando você busca uma explicação para alguma coisa, polemiza, e com certeza ele tinha muita gente para participar", desviou o cantor.

Se havia muita gente para participar da celebração, isso se deve tanto à personalidade amistosa de Daniel quanto à força grupal da música sertaneja. Assim como outros gêneros importantes da música brasileira, como o samba, a bossa nova e a MPB, a união dos seus integrantes faz a força. E Daniel é o verdadeiro embaixador da música sertaneja.

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