Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Victor e Leo retornam após bom início seguido de equívocos e condenação

Artistas têm muito a oferecer se buscarem mais do que apenas ganhar dinheiro às custas da nostalgia do público sertanejo

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Na semana passada a dupla sertaneja Victor e Leo, que estava separada há 5 anos, declarou que voltará a se apresentar junta. Datas e ingressos foram prontamente disponibilizados e esta Folha apurou que os irmãos ganharão cerca de R$70 milhões para uma série de shows pelo Brasil.

Nascidos em 1975 e 1976 em Ponte Nova e criados em Abre Campo, ambas na zona da mata mineira, os irmãos cantavam profissionalmente juntos desde o fim da adolescência. A separação aconteceu em 2018, depois de uma série de desgastes. Havia, e talvez ainda haja, divergências estéticas entre os irmãos. Leo sempre pareceu se interessar por uma pegada mais pop, de levada fácil e eventualmente até dançante.

Victor & Leo - @victoreleo no Instagram

Já Victor Chaves, compositor da dupla, sempre se esmerou em compor músicas muito particulares. Seu jeito de tocar violão chama a atenção pois é bem diferente das batidas rítmicas tão usadas no meio sertanejo. Com dedilhados bonitos e achados originais e elegantes, Victor se propõe a fazer música mais introspectiva e rebuscada, misturando influências do pop, do blues, da música caipira e especialmente da música folk.

Foi nessa pegada que a dupla lançou aquele talvez seja o melhor disco da geração do sertanejo universitário, o CD "Borboletas", de 2008. Começando pela linda capa, trata-se de um disco de estúdio de alto nível, pop sem ser banal, contrastando com a maior parte da produção sertaneja, de muitos lançamentos fortuitos em formato ao vivo.

A canção que deu nome ao disco tocou insistentemente Brasil afora. "Deus e Eu no Sertão", uma das mais singelas composições de Victor, foi trilha sonora da novela global "Paraíso". E o disco trouxe ainda canções menos conhecidas, como "Nada Normal", "Tanta Solidão" e "Lado Errado", todas calcadas no violão dedilhado de Victor. O compositor ainda tematizou a personalidade introspectiva em "Timidez", bela música infelizmente pouco conhecida fora do mundo dos fãs da dupla.

Os trabalhos seguintes gravados em estúdio, "Boa Sorte pra Você" (2010) e "Amor de Alma" (2011), pareciam almejar serem discos à altura de "Borboletas". E a dupla conseguiu se manter no topo da música sertaneja, época em que Victor se tornou campeão da arrecadação de direitos autorais no Brasil por quatro anos consecutivos entre 2009 e 2012. Mas nem tudo eram flores. De personalidade menos expansiva, Victor enfrentou problemas de depressão e chegou a se tratar durante o auge da fama.

Foi quando a necessidade de manter a produtividade fez o irmão Leo começar a compor, sempre com uma pegada mais pop. Os arranjos foram se tornando mais comuns, e solos de guitarra estridentes começaram a aparecer nos arranjos. Discos como "Viva por Mim" (2013) traziam uma pegada que remetia mais a Leo, que colocou 8 canções no disco, enquanto Victor tinha apenas 4 canções.

Desde então eles tentaram conciliar as diferenças estéticas. No CD "Irmãos", de 2015, dividiram as composições, mas os arranjos foram se tornando cada vez mais insossos, fugindo da especificidade instrumental de Victor.

O retorno à pegada violonística original foi a tônica do disco "O Cantor do Sertão", de 2018, obra infelizmente pouco trabalhada devido às crescentes tensões da dupla e ao cansaço de longos anos de estrada.

O catalisador da separação foi a dura repercussão do imbróglio em que Victor se meteu em 2017, quando a dupla era jurada de um reality show da TV Globo. O compositor foi acusado de agredir sua própria mulher, num confuso caso que envolveu também sua mãe e irmã, e condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em 1ª instância, em 2019. O cantor recorreu da decisão. Victor e Leo foram afastados do The Voice Kids, substituídos pela dupla Simone & Simaria.

Em crise, a dupla anunciou em agosto de 2018 a separação por tempo indeterminado. Leo declarou que iria se dedicar à carreira de palestrante, à divulgação de seu livro de autoajuda e aos shows solo. Ele lançou singles de pegada mais pop dançantes, sem conseguir criar uma marca original para si.

Victor lançou um ótimo trabalho solo intitulado "Projeto VC" em 2020. Com canções introspectivas, resgatando o seu melhor estilo de tocar. É um disco infelizmente subestimado e pouco ouvido. Talvez por ter sido lançado em meio a pandemia da Covid e pelo fato de que, mesmo passada a enfermidade, Victor não tenha feito shows para divulgar o disco.

O retorno da dupla causou espanto pois ambos já estavam desenvolvendo carreiras próprias, embora sem o brilho de quando atuavam juntos. Victor prometia o segundo volume do trabalho solo e Leo lançou há cerca de dois meses um DVD com participação de Gusttavo Lima e Henrique & Juliano e era empresariado pela Workshow, um dos maiores escritórios sertanejos do Brasil.

Claro que a vultuosa soma de R$ 70 milhões deve ter pesado na decisão. O que não ficou claro ainda é se esta é uma volta definitiva ou se se trata apenas de uma turnê para ganhar dinheiro às custas da nostalgia do público sertanejo. O que não seria um crime, longe disso. Bandas como Los Hermanos e, mais recentemente, Titãs, lucram a cada retorno que fazem.

Mas como ficarão as divergências estéticas de Victor e Leo? A dupla volta pois ainda tem algo a dizer esteticamente ou é só pra ganhar ainda mais dinheiro do que já ganharam? Tomara que o vil metal não seja a razão de tudo, pois ambos têm bastante a oferecer artisticamente, juntos ou separados.

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