Phineas Gage era competente detonador de explosivos para as Estradas de Ferro Rutland & Burlington em Vermont, porém em 1848 teve sua cabeça atravessada por uma barra metálica de um metro de comprimento e seis quilos depois de acionar prematuramente o detonador.
Para a surpresa de todos, Gage sobreviveu ao rombo no cérebro. Depois de alguns dias caminhava normalmente, utilizava as mãos com firmeza e não demonstrava dificuldades em comunicar-se. Mas sofreu alterações em sua personalidade, e passou a falar coisas que surpreendiam àqueles que o conheciam. Morreu pouco mais de uma década depois com poucos amigos.
Estará Paulo Guedes se tornando um Phineas Gage do planalto central? Serão o ‘centrão’ e o sistema a sua barra de ferro?
O homem que sustentou o discurso liberal da campanha de Jair Bolsonaro e angariou apoio popular às suas promessas de reformas, privatizações e enxugamento do estado deu lugar a outro P.G. com falas anormais: cúmplice de aumento de gastos, do centralismo fiscal, e do aumento da arrecadação.
A reforma tributária em discussão é mais uma reforma perdulária, como as últimas duas, que aumentaram a carga em mais de 5% do PIB cada. A premissa é garantir arrecadação em proporção do PIB pelo menos igual à atual, e arrecadar o que for possível a mais para aumentar os gastos do governo.
É frustrante que Paulo Guedes, que participou comigo da fundação do Instituto Millenium, esteja confortável com premissas nada liberais. Ele sabe, sempre soube, que a causa fundamental do desajuste fiscal é a mesma da pobreza do país: um estado grande e gastador. Mas em vez de sugerir uma micro-reforma desburocratizante, defende a ‘CPMF de máscara’ e lidera um enorme aumento de impostos sobre o setor de serviços e da carga tributária em mais de R$50 bilhões com a CBS de 12%. Já virou meme: é o (im)posto Ipiranga.
Guedes não conseguiu emplacar a reforma da Previdência que gostaria. A matemática atuarial demonstra que a sobrevida da pirâmide da Previdência se estendeu por mais alguns poucos anos, seguindo com contas cada vez piores, até o inevitável colapso.
Até agora não houve nada sobre a prometida abertura comercial, talvez a mais importante reforma micro-econômica.
Ademais, tem sido bloqueado pelo "deep state" na reforma administrativa, a mais urgente. Continuamos a gastar vergonhosos (e crescentes) 85% da arrecadação federal com salários de funcionários públicos e aposentadorias, em detrimento de educação, saúde, segurança, saneamento, ambiente.
Reconheço os avanços da Lei de Liberdade Econômica e entendo as dificuldades do meu amigo na árdua missão de diminuir o estado brasileiro. Mesmo dentro de seu ministério enfrenta a máquina egressa de administrações anteriores, que sabota importantes mudanças. Mas não entendo a postura resignada. Ao encarar as enormes dificuldades em construir politicamente a reforma do Estado, optou por capitular e aceitar o velho Brasil: aumento de arrecadação e de gastos.
Paulo Guedes tem se comportado como um “liberal em descontrução”. Para voltar às origens, deveria simplificar o sistema com uma minirreforma sem aumento de arrecadação, submeter a reforma administrativa, privatizar, e fazer a abertura comercial. Para esta plataforma, terá o apoio dos liberais.
Qualquer coisa além disso significa justificar a gastança que assola o Brasil há tantas décadas. Não é para isso que este governo foi eleito.
No século 17, uma época de políticos mais francos, Jean-Baptiste Colbert, o ministro da economia do rei Luís XIV, afirmava que “a arte da tributação é a arte de depenar o ganso, obtendo o máximo de penas com o mínimo de grasnidos”. Os artistas já estão trabalhando. É hora de o brasileiro grasnar.
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