Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

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A carne do seu prato vale o quanto pesa?

Pecuária global é responsável por 14,5% das emissões de gases de efeito estufa

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A verdade é inconveniente (e indigesta), mas não há como fechar os olhos: a criação de diversos rebanhos de animais – gado bovino, búfalos, porcos, ovelhas, galináceos –, genericamente chamada de “pecuária”, tem um forte impacto no meio ambiente. O principal deles é a emissão de gases de efeito estufa (GEE), que contribuem para as mudanças climáticas e ameaçam o nosso bem-estar.

A pecuária global é responsável por 14,5% das emissões de GEE. E, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o gado bovino (para a produção de carne e laticínios) responde por 60% delas.

Gado em Nova Canaã do Norte (MT)
Gado em Nova Canaã do Norte (MT) - Gabriel Cabral/Folhapress

Na pecuária, há duas fontes principais de emissão de GEE: a derivada da produção de pasto, a partir do desmatamento para a abertura de áreas de pastagens; e a decorrente da criação dos animais, causada pela produção de seus alimentos, pelos seus processos de digestão e pelo manejo de dejetos. Existem ainda outras fontes emissoras de GEE, como o transporte e o uso de máquinas, mas com menor impacto.

No caso brasileiro, a pecuária bovina é responsável por 80% do desmatamento da Amazônia, segundo estudo publicado no Brazilian Journal of Biology e o Global Forest Atlas, da Universidade de Yale.

E do total de carne bovina produzido no país em 2017, 20% foi exportado e 80% abasteceu o mercado interno (ABIEC). Ou seja, o consumo no mercado nacional está mais fortemente relacionado ao desmatamento.

Frente a esses dados, é imprescindível desenvolver uma transição de modelo tanto para a produção da carne quanto para sua forma de consumo, para que tais processos sejam mais sustentáveis.

Ao falarmos da produção, um dos caminhos é aumentar a produtividade em áreas já usadas para o pastoreio. Assim, cai a pressão pela abertura de novas áreas e pelo desmatamento de florestas. Essa alta produtividade pode ser alcançada a partir de práticas como o uso de cercas e de pasto rotativo, gerenciamento de dejetos para recuperação energética e melhores cuidados veterinários. Mais ainda, a recuperação de pastagens degradadas pode ser uma saída para que o setor pecuário atenda às demandas da população.

O governo também precisa fazer a sua parte. É preciso ter políticas de incentivo a novas práticas e capacitação e treinamento de produtores, a fim de promover maior produtividade. Tecnologias de monitoramento de cadeia podem ser grandes aliadas nesse processo de transição, assim como o blockchain e a inteligência artificial, ainda pouco difundidos no setor.

Fica claro, portanto, que é possível produzir de forma diferente. Mas será que isso é suficiente do ponto de vista da emissão de gás de efeito estufa? Não.

Mesmo que a produção se torne mais sustentável, o atual consumo de carne bovina causa impactos negativos em proporções maiores do que o planeta consegue regenerar. É preciso adicionar às soluções da produção o que é viável fazer do lado do consumo. Devo ressaltar que não estou aqui para acabar com o prazer de comer um suculento churrasco de vez em quando, mas para convidá-lo a refletir, de forma consciente, sobre os impactos desse consumo.

No supermercado, no açougue ou no restaurante, você exerce um papel fundamental na redução dos impactos negativos da carne bovina, ainda que não se dê conta disso. Uma mudança na dieta –que não precisa ser radical– pode contribuir muito no enfrentamento desses problemas. E substituir a carne bovina por outras fontes de proteína é um ótimo começo.

Do ponto de vista nutricional, uma porção de 83 g de carne bovina, por exemplo, tem a mesma quantidade de proteína que 81 g de carne suína, 120 g de frango ou 240 g de feijão. E todas as alternativas apresentam menor impacto ambiental, conforme estudo divulgado pelo World Economic Forum. Se você optar por fazer esta mudança em sua dieta, estará integrando um movimento mundial de redução do consumo de carne bovina.

Apesar do índice brasileiro ainda ser alto (em média, 30,6 kg de carne bovina por brasileiro por ano), tivemos uma queda de 8,4% entre 2015 e 2016, segundo a World Animal Protection. Talvez isso tenha ocorrido por causa das dificuldades econômicas no período, que podem ter forçado a troca da carne por outras fontes proteicas mais baratas. Mas, de qualquer forma, o impacto negativo da produção e do consumo da carne bovina foi reduzido.

Forma um pouco mais radical de mudança de dieta, o vegetarianismo vem conquistando cada vez mais adeptos. De acordo com o Ibope, 14% dos brasileiros se declaram vegetarianos, o que representa quase 30 milhões de pessoas.

É bom lembrar que a redução do consumo de carne vermelha também pode trazer benefícios individuais. Segundo o Ministério da Saúde, seu consumo excessivo aumenta as chances de desenvolvimento de doenças como o câncer. E o bolso agradece, pois outras fontes de proteína costumam ser mais baratas.

Outro cuidado que o consumidor consciente pode ter é o de dar preferência à carne certificada, com garantia de que não houve desmatamento na sua produção. De acordo com a organização norte-americana The National Wildlife Federation, a carne bovina produzida em áreas desmatadas é responsável por até 25 vezes mais emissões de GEE do que a produzida em pastagens já estabelecidas.

E a “Pesquisa Akatu de 2018 – Panorama do Consumo Consciente no Brasil” mostra que 23% dos consumidores buscam informações sobre a origem e o processo produtivo dos itens que consomem. Isso indica que, possivelmente, dão preferência a uma carne certificada.

Sabemos que a alimentação é mais do que nutrição. Ela também é afeto, prazer e cultura. Para não abrir mão daquele delicioso picadinho que a sua mãe prepara como ninguém, basta ter consciência na hora de consumir.

É preciso saber estabelecer para si um “orçamento individual de carbono”, definindo seus itens de consumo mais importantes e tentando dar preferência àqueles cuja produção causa menor emissão de GEE. Gradualmente, o seu “orçamento individual de carbono” vai se adequando ao que o planeta consegue regenerar.

Acredite no poder de sua atitude individual. Ela é exemplar, sendo um prato cheio de inspiração para as pessoas de sua família, de sua comunidade e para os seus amigos. Faça escolhas mais conscientes e bom apetite!

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