Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Helio Mattar

Os impactos da indústria da moda na sociedade e no planeta

Nem todos os custos estão incorporados no preço final repassado aos consumidores

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tudo o que consumimos tem um preço monetário que reflete, como elemento central na definição do preço, os custos da produção do bem ou do serviço que estamos comprando.

No entanto, nem todos os custos associados à produção de cada bem ou serviço estão incorporados no preço final repassado aos consumidores. Como exemplo, o custo relacionado aos impactos (positivos ou negativos) ambientais e sociais ocorridos ao longo da cadeia de valor, em geral, não estão considerados. Esse é exatamente o caso da indústria da moda.

Embora esses custos não sejam “pagos” diretamente por quem consome aquele bem ou serviço, são pagos indiretamente por todos que vivem na sociedade onde são produzidos, extrapolando seus impactos a todos no planeta.

Esses custos são pagos na forma do consumo excessivo de recursos hídricos e como isso afeta a disponibilidade de água; da emissão de gases de efeito estufa vir a agravar as mudanças climáticas; da geração de resíduos vir a aumentar o seu custo de coleta e tratamento e, consequentemente, aumentar as despesas municipais e o valor do IPTU; de exploração de mão de obra infantil ou trabalho análogo ao escravo –comuns em parte da indústria da moda– vindo a causar uma redução no preço dos bens à custa de condições indignas de trabalho.

Esses são alguns dos impactos causados por boa parte da indústria da moda e que, de uma maneira ou de outra, terão reflexos maiores ou menores, imediatos ou a médio e longo prazo, sobre os que vivem na sociedade onde o bem ou serviço é produzido.

O “fast fashion”, modelo de negócio da indústria da moda que promove a troca cada vez mais rápida de peças por meio da renovação mais frequente das coleções, oferece preços baixos para incentivar o consumo acelerado, levando a sociedade a consumir uma quantidade crescente de roupas de qualidade baixa, que não permite reforma ou reutilização, causando, assim, um descarte proporcionalmente crescente.

É certo que as roupas funcionam não só como proteção corporal, mas também como expressão cultural. No entanto, vale refletir: será que realmente precisamos de todas as roupas que compramos? Será que já não temos peças suficientes em nossos armários? Um estudo da McKinsey & Company estimou que os consumidores compraram, globalmente, cerca de 60% mais peças em 2014 do que no ano 2000 e que esses itens duraram 50% menos tempo do que os do período anterior.

Assim, é importante que o consumidor se dê conta de que a compra de uma roupa nova está atrelada a um processo de aumento da produção que, por sua vez, está associado à geração de impactos negativos para o meio ambiente e para a sociedade, como descrito a seguir.

A produção do algodão, que é a base de uma enorme gama de têxteis, consome grandes quantidades de recursos naturais e exige a aplicação de fertilizantes e pesticidas em larga escala. Embora o algodão corresponda a apenas 2,5% das áreas cultivadas globais (WWF), consome 14% das vendas mundiais de inseticidas e 5% das de pesticidas (Pesticide Action Network).

Como consequência, há um processo de degradação do solo, que perde nutrientes e fica mais exposto à erosão (FAO); de poluição das águas pelos agrotóxicos que chegam aos lençóis freáticos e aos rios; e de redução da biodiversidade, especialmente devido aos danos às espécies polinizadoras (Pesticide Action Network), fundamentais para a manutenção da cadeia alimentar e da produção agrícola.

Adicionalmente, há o consumo de água. Uma camiseta de algodão, por exemplo, chega a consumir em sua cadeia de valor cerca de 2.700 litros de água (WWF). Uma calça jeans, apenas no cultivo do algodão nela usado, chega a consumir 10.000 litros de água, quantidade similar à ingerida por uma pessoa em um período de 10 anos (ONU).

Por outro lado, a fabricação do poliéster –a fibra têxtil sintética mais utilizada no mundo– causa a emissão de grandes quantidades de gases de efeito estufa (GEE) em sua produção, sendo que a cadeia de valor de uma camiseta de poliéster emite o dobro de GEE que uma de algodão (Nature).

Adicionalmente, quando lavados, os tecidos sintéticos liberam micropartículas de plástico na água e, dependendo da destinação dessa água, os chamados “microplásticos” podem contribuir com as oito milhões de toneladas de resíduos plásticos que são despejadas nos oceanos todos os anos e, devido ao seu pequeno tamanho, acabam sendo ingeridos por animais marinhos, entrando na cadeia alimentar.

Estima-se ainda que a indústria da moda mundial, devido à sua extensa cadeia de valor e ao seu alto consumo de energia, é responsável por 10% das emissões de GEE globais (1,2 bilhão de toneladas de CO2 por ano), ou seja, consome mais energia e emite mais GEE do que a aviação e o transporte marítimo juntos.

Portanto, mudar os atuais padrões de produção e consumo nesse setor é fundamental para limitar o aquecimento global aos parâmetros estabelecidos no Acordo de Paris (ONU).

Na fase seguinte, de fabricação das roupas, os impactos continuam a ocorrer. As condições precárias do trabalho e o uso de mão de obra infantil nas confecções de roupas são uma situação mundialmente conhecida e, embora empresas de diferentes portes venham atuando de maneira mais consciente e responsável, essa realidade muda muito lentamente.

Isso porque a produção tende a aumentar em função do crescimento da demanda global e, ao mesmo tempo, cresce a pressão por preços mais baixos, fazendo com que as empresas busquem pagar ainda menos aos seus trabalhadores. O Brasil não é exceção: 37 marcas de roupas já estiveram ou ainda estão envolvidas com trabalho análogo ao escravo (ONG Repórter Brasil).

De outro lado, no Brasil, estima-se que são gerados 170 mil toneladas de resíduos têxteis por ano, sendo que 80% vão parar em lixões e aterros (Sebrae). Somente no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, existem 1.200 confecções instaladas e estima-se que a geração de resíduos têxteis é de aproximadamente 12 toneladas por dia (ABIT), sendo que a coleta desses resíduos é realizada de maneira ainda pouco estruturada.

A decomposição dos tecidos é um processo que pode levar meses – no caso das fibras naturais (algodão, linho, seda e lã) – ou centenas de anos, no caso das fibras sintéticas (poliéster e derivados do petróleo), como explica Francisca Dantas Mendes, vice-coordenadora do curso de graduação de “Têxtil e Moda” da EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) da USP.

Esse processo pode contaminar o solo e/ou os lençóis freáticos, além de emitir GEE. Além disso, a gestão deste enorme volume de resíduos exige investimentos públicos que, por sua vez, vão refletir no orçamento público e na alocação de recursos (Akatu).

De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS - Lei 12.305/10, art. 33º), as empresas são co-responsabilizadas pelo pós-consumo de seus produtos, sejam fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, devendo atuar na gestão adequada dos resíduos gerados por meio da chamada “logística reversa”.

Algumas empresas relacionadas à indústria têxtil têm implantado programas de logística reversa, recebendo roupas usadas e destinando aquelas em boas condições à doação ou, no caso de peças em más condições de uso, às iniciativas que promovem o seu reparo ou reciclagem.  

Porém, retornar as peças aos pontos de coleta dos fabricantes e vendedores não é a única opção: retalhos podem ser levados ao Banco de Tecido, projeto que permite ao consumidor trocas suas peças por outros tecidos que ele precise.

Finalmente, vale ressaltar que cabe ao consumidor um importante papel: o de sinalizar às empresas e aos governos a sua preocupação quanto aos diversos impactos negativos da indústria da moda e quanto ao descarte correto de roupas e calçados, cobrando ações de apoio em ambos os sentidos.

Além disso, o consumidor pode reduzir os impactos da indústria da moda ao evitar as compras por impulso, refletindo sobre o que torna a compra desnecessária e comprando apenas o que realmente precisa, sem se deixar levar por promoções, e sempre considerando as seguintes ações: examinar a qualidade das peças, preferindo produtos mais duráveis e que levarão um tempo até precisarem ser substituídos; usar as roupas com cuidado para evitar que se estraguem e levem à rápida compra de novos itens; ter cuidado com compras online, pois elas não permitem observar a peça com detalhe ou experimentá-la; destinar roupas sem uso à doação, feira de trocas ou comércio de segunda mão; considerar o aluguel ou compartilhamento, especialmente em ocasiões de uso único (como festas); e manter-se informado sobre as práticas das empresas, preferindo comprar de marcas que respeitam o meio ambiente e as pessoas ao longo de sua cadeia produtiva.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.