Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

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Digitalização, consumo consciente e a reputação das empresas

Com o aprofundamento do digital, as organizações deixam de controlar o que é dito sobre elas

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“Digitalização onipresente” é um dos atributos centrais que definirá o consumidor brasileiro pós-pandemia, segundo pesquisa da McKinsey realizada entre 23 e 26 de abril. Por força do longo isolamento social, permitindo tempo suficiente para se acostumarem ao uso da tecnologia, um percentual significativo de pessoas passou a realizar online atividades não imaginadas antes da crise.

Alguns destaques da pesquisa: 40% fizeram “mais compras online durante a Covid-19, apesar do corte de gastos”; 40% pretendem “fazer mais compras online pós-Covid-19”; e 35% pretendem “diminuir a ida a lojas físicas pós Covid-19”.

Já um estudo da Accenture envolvendo 15 países, o Brasil incluído, realizado no início de abril, revelou mudanças importantes no comportamento de consumo: o percentual das compras feitas online no período foi de 32%, com previsão de chegarem após a pandemia a 37%. Um em cada cinco consumidores comprou produtos frescos online pela primeira vez, sendo de 1 em cada 3 na população acima de 56 anos, confirmando a adesão ao digital.

O estudo mostrou também que 50% das pessoas estava “fazendo compras mais saudáveis, prevendo continuar a fazer isso” pós-pandemia. E 45% afirmou estar “fazendo escolhas mais sustentáveis em suas compras, prevendo continuar a fazer isso” passada a crise.

Fica então a pergunta: esse processo de digitalização crescente irá aprofundar a tendência, que abordei em artigo anterior, de crescente adesão das empresas ao capitalismo de stakeholders, como contraposição ao capitalismo de shareholders? Minha opinião é que sim.

O consumidor tem demonstrado há anos um forte desejo de que as empresas sejam mais sustentáveis — ou ao menos mais social e ambientalmente responsáveis. Na Pesquisa Akatu 2018, um percentual de 59% dos consumidores afirmaram que as empresas “deveriam fazer mais do que está nas leis e trazer mais benefícios para a sociedade”.

E refletindo porque não adotavam práticas mais sustentáveis, 60% apontou a “necessidade de esforço”, sendo os dois primeiros itens o preço alto dos produtos e a necessidade de mais informação sobre impactos sociais e ambientais de produtos/empresas.

Já abordei o tema do preço mais alto em uma coluna anterior, apontando que o consumidor irá, sim, pagar mais por produtos sustentáveis desde que seus atributos de sustentabilidade sejam evidentes e forem por ele valorizados

Mas em relação aos impactos sociais e ambientais, onde o consumidor busca estas informações?

Aqui entra a onipresença do digital, visto que é por meio das redes sociais que os consumidores se informam —corretamente ou não— sobre as atitudes das empresas. E, com isso, as empresas deixaram de controlar o que é dito sobre elas. Seus stakeholders são os grandes veículos da comunicação que formam sua reputação.

Hoje, a transparência e a consequente visibilidade das ações e omissões de uma organização no ambiente virtual permitem que o consumidor forme sua percepção sobre empresas e marcas, fazendo sua avaliação e definindo sua preferência.

A transparência das atitudes das empresas deixam de ser um “valor” e tornam-se um “fato”. Isto é, ser transparente independe da vontade da empresa. São os stakeholders, expressando impressões positivas ou negativas, verdadeiras ou falsas, quem, ao longo do tempo, define sua reputação.

A presença de opiniões sobre uma empresa no mundo digital forma sua reputação, em relação à qual a empresa pode tentar conter danos, mas não evitá-los. A existência da empresa e de suas marcas em si, de seus produtos e de sua relação com stakeholders são suficientes para estabelecer sua reputação.

Isso significa que a empresa não deve falar ela própria? Não. A questão é “como” e “sobre o que” ela deve falar e qual a sua credibilidade frente aos consumidores. Quanto à credibilidade, se compararmos os dados das Pesquisas Akatu 2012 e 2018, o percentual de consumidores que acreditam no que as empresas falam “dependendo de onde viram a notícia” saltou de 12 para 31%. Assim, para um em cada três consumidores, a reputação da empresa depende do que os stakeholders pensam e expressam sobre ela.

E como influenciar os stakeholders? Isso depende do “como” e do “sobre o que” a empresa fala. No “como”, não basta uma fala episódica da empresa esperando o apoio incondicional de quem ouve.

Ela precisa construir uma reputação positiva junto aos seus stakeholders e o “como” fazê-lo envolve um diálogo contínuo: de um lado, a empresa usa de sinceridade em sua fala para contar o que faz, o que precisa melhorar, deixar de fazer e o que acha que deve começar a fazer; do outro, ela ouve para compreender —e não provar que está certa— de modo a estabelecer um plano de ação que demonstre a efetiva apropriação do que ouviu.

No “sobre o que” a empresa fala dos impactos da sua cadeia produtiva e produtos, mas também deve mostrar o seu propósito. Em um mundo que valoriza a contribuição para a sociedade e o meio ambiente, o lucro continua sendo condição necessária para o sucesso, mas é insuficiente para manter a reputação.

Com a digitalização e a possibilidade do consumidor expressar suas preferências de forma rápida e bem informada, a definição de sucesso mudou e adicionou a expressão de valores ao desempenho financeiro.

A lealdade do consumidor será determinada pela sua identificação com os valores da empresa, expressos na sua atuação cotidiana e captados pelos stakeholders. Se não houver a identificação de uma massa crítica de consumidores será muito difícil justificar a licença para a empresa operar no mercado.

Mas vale dizer às empresas que não estão atuando sob essa perspectiva que ainda há tempo de se abrir ao diálogo e de implementar um propósito que vá muito além do lucro. Como me disse Fábio Barbosa, conselheiro de diversas organizações, o julgamento das empresas será feito no futuro pelos valores do futuro, mas sua reputação futura está sendo plantada agora, por meio dos valores expressos por suas ações, omissões e relação com stakeholders. E que definirão a sua perenidade ou não.

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