A escola deve cobrar a leitura dos clássicos da literatura? O argumento contrário, apresentado pelo youtuber Felipe Neto, reza que forçar jovens a enfrentar obras para as quais ainda não estão intelectualmente preparados —e ele citou Álvares de Azevedo e Machado de Assis— apenas os faz desgostar da literatura.
Não acho que esse seja o melhor ângulo para abordar a questão. Aqui, eu sou um pouco fatalista. Há pessoas que gostam de ler e há as que não gostam. O que define isso é uma complexa combinação de genes e estímulos ambientais nos primeiros anos de vida. Se a meta é formar um público leitor, isso precisa ser trabalhado bem antes do ensino médio ou mesmo do fundamental 2.
De qualquer modo, a escola precisa definir conteúdos concretos para as diferentes disciplinas que ministra. Em literatura, pode ser Machado ou um romance açucarado com pitadas de sexo e muita ação. Em tese, tanto faz. Mas reparem que não nos perguntamos se a trigonometria é mais ou menos "divertida" que a análise combinatória nem se as agruras de uma cotangente tiram o gosto da garotada pela matemática.
Eu defendo que a escolha seja Machado, não o romance açucarado, porque entre as muitas missões da escola está a de produzir um conjunto de referências que sejam partilhadas por quase todos os brasileiros. Esse universo de noções comuns em que as pessoas possam se apoiar para dialogar, trocar ideias e até identificar-se é tão importante para a constituição de uma sociedade quanto a concordância acerca de fatos o é para a democracia.
E me parece preferível que a "koiné" literária do brasileiro esteja baseada em autores complexos, que comportam uma interpretação rica e multifacetada da realidade, a que se apoie em narrativas simplórias e não raro maniqueístas. Os americanos importaram seu grande autor nacional da Inglaterra. É Shakespeare. Mas esse é o tema da coluna de amanhã.
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