A russa Anna Netrebko é considerada uma das melhores sopranos em atividade. Até o ano passado, bastava anunciar seu nome para esgotar os ingressos de qualquer espetáculo que ela estrelasse. Hoje, por causa da guerra na Ucrânia, ela tem dificuldades para ser aceita em vários países. Foi banida dos palcos alemães. O Metropolitan, de Nova York, a substituiu por uma soprano ucraniana na exibição de "Turandot" em abril. Mesmo nas nações em que ela ainda pode cantar, como a Áustria, os aplausos, antes unânimes, agora aparecem em meio a vaias.
É justo que ela seja tratada dessa forma? Netrebko, embora tenha aparecido em fotografias ao lado de Vladimir Putin, não parece ser uma apoiadora do ditador. Em março, o mês seguinte à invasão, ela emitiu uma nota em que condenou com veemência o ataque.
Meu veio consequencialista até admite a primeira onda de cancelamentos, logo após a invasão. Havia, afinal, a possibilidade teórica de que uma pressão sobre os russos àquela altura os levasse a se rebelar contra Putin e retirá-lo do poder, o que teria justificado o cancelamento em massa, que não poupou Dostoiévski nem o estrogonofe. Agora, porém, está claro que isso não vai acontecer.
A guerra, pelo menos até aqui, parece ter reforçado a popularidade de Putin. Nesse caso, Netrebko está sendo punida apenas por ser russa e não por alguma falta que ela pessoalmente tenha cometido. Isso representa um problema moral.
Uma das razões por que repudiamos ditaduras é que elas impõem um regime de arbítrio, em que as pessoas são perseguidas e até mortas por suspeitas ou simples associações e sem direito de se defender.
Cancelar uma pessoa apenas por sua origem espelha essa mesma injustiça. Eu, pelo menos, ficaria bastante chateado se me impedissem de fazer qualquer coisa no exterior apenas por ter nascido no país governado por Jair Bolsonaro, cujas posições políticas repudio.
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