Mais uma prova de que a ideologia cega está no fato de que ainda há bolsonaristas afirmando que o ex-presidente é honesto. Jair Bolsonaro deve ter batido algum recorde. O primeiro dos escândalos a sobressaltar seu governo surgiu antes mesmo de o capitão reformado assumir, e suspeitas continuam a aparecer depois que ele deixou o cargo. A notícia do primeiro cheque de Fabrício Queiroz para Michelle Bolsonaro se tornou pública poucas semanas antes da posse. O caso das joias sauditas veio à tona dois meses depois do fim do mandato.
Até entendo que, por pudicícia jurídico-republicana, devamos esperar um pronunciamento da Justiça antes de carimbar o ex-presidente como autor de delinquências específicas tipificadas no Código Penal, mas me parece que já há elementos de sobra para pelo menos suspender o juízo e não ficar apregoando uma honestidade ilusória. Mesmo que Bolsonaro venha a ser inocentado pela Justiça, já dá para afirmar que ele violou preceitos éticos. Um presidente correto teria convertido em patrimônio público os presentes da coroa saudita antes mesmo de desembarcá-los no Brasil.
No plano mais geral, o que chama a atenção nas denúncias contra Bolsonaro e familiares é o padrão baixo clero dos esquemas. Não vimos sistemas bilionários de desvios de estatais, com o duplo propósito de azeitar o apoio político ao governo e encher os bolsos de alguns escolhidos. O que surgiu —e se repetiu— foram espertezas típicas de parlamentares semianônimos. São coisas como pagar funcionários domésticos com dinheiro público, "rachadinhas", "apartamento para comer gente" e apertar o botão "nada a declarar" na alfândega.
Tecnicamente, o valor do desvio não afeta sua categorização ético-penal. É igualmente errado surrupiar 1 milhão ou 1 bilhão. Mas aqueles que se alimentam de ideologias parecem dispostos a dar a seus líderes de estimação um limite abaixo do qual é tolerável roubar.
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