Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Hélio Schwartsman

Castidade ambiental

Países amazônicos emulam santo Agostinho

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São Paulo

A leitura da Declaração de Belém, o documento final da primeira Cúpula da Amazônia, me transportou para a África do século 4º. Foi ali que um jovem, que mais tarde se converteria num dos principais filósofos católicos, Agostinho de Hipona, ou santo Agostinho, teria dito "Deus, dai-me a castidade e a continência, mas não agora" (Confissões VIII, 7).

Os governantes amazônicos, como o santo, desfilam ótimas intenções, mas evitam comprometer-se com atitudes concretas para realizá-las. Em duas ausências notáveis, não propuseram uma meta conjunta de zerar o desmatamento nem descartaram prospectar petróleo na região. É como se dissessem "Deus, dai-nos a continência para preservar as florestas e abandonar os combustíveis fósseis, mas não agora".

Na Cúpula da Amazônia, da esquerda para a direita, o chanceler do Equador, Gustavo Manrique, o primeiro-ministro da Guiana, Mark Phillips, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Bolívia, Luis Arce, a presidente do Peru, Dina Boluarte, a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodriguez, e o ministro das Relações Exteriores do Suriname, Albert Ramdin. - Ricardo Stuckert/PR Foto: Ricardo Stuckert/PR - Ricardo Stuckert/PR

O texto da declaração decepciona, mas não surpreende. Ele só reproduz a mais universal das estratégias de sobrevivência, inscrita no DNA de quase todos os seres vivos, que é a de valorizar mais o presente do que o futuro. É que, para chegar ao futuro, você precisa antes sobreviver ao presente.

Essa lógica implacável explica alguns dos aspectos mais dramáticos da existência, da senescência (genes que favorecessem a performance do indivíduo em idade mais avançada em detrimento do desempenho em fases anteriores tenderiam a ser eliminados pela seleção natural) aos principais dilemas econômicos. Juros, investimento, poupança etc. podem ser descritos como uma negociação entre o presente e o futuro.

Isso significa que podemos dar adeus à sustentabilidade e ao pacto intergeracional? Não necessariamente. O viés pró-presente é tanto mais forte quanto mais instável e imprevisível é o ambiente.

Mas, se logramos obter algum nível de controle sobre ele, em algum ponto passa a fazer sentido provisionar-se para o futuro, mesmo que sacrificando parte do bem-estar atual. E, no que diz respeito ao ambiente, nós já passamos há muito desse ponto.

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