Henrique Gomes

Físico, é doutor em gravidade quântica e doutorando em filosofia na Universidade Cambridge.

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Henrique Gomes

Por que Roger Penrose ganhou o Nobel de Física

Excêntrico cientista britânico nos permitiu entender um pouco mais os buracos negros e o Universo

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Na semana passada, o comitê acadêmico do Nobel anunciou os vencedores na área de Física. O prêmio foi dedicado a avanços no entendimento e observação de buracos negros. Entre os vencedores estava o excêntrico Roger Penrose, físico-matemático inglês. Pretendo elucidar aqui um pouco quem ele é e porque mereceu esta honra, mesmo que ainda desconheçamos tanto sobre buracos negros.

Penrose vem de uma família de intelectuais: um irmão é físico, outro é grande mestre em xadrez e sua irmã é geneticista. E, apesar de ter obtido seu PhD em Cambridge, ele é praticamente um autodidata que não liga muito para formalidades.

Conheci Penrose em 2014. Antes de me apresentar, meu superior sugeriu: esqueça a matemática complicada; trate-o como um adolescente curioso. Esta é para mim até hoje sua característica mais marcante: antes da matemática, há só uma curiosidade voraz que o leva aos mais diversos tópicos.

O britânico Roger Penrose, vencedor do prêmio Nobel de Física, na Universidade de Oxford (Reino Unido) - Handout / Oxford University / AFP)

E sua curiosidade e suas contribuições não se restringem à física e à matemática. Foi Penrose, por exemplo, que imaginou algumas das construções popularizadas pelo artista M.C. Escher: o “triângulo impossível” (que inspirou a “escada que vai a lugar nenhum”). Foi Penrose que imaginou uma nova forma de ladrilho que poderia ser usada para cobrir um plano a-periodicamente (sem nunca repetir o padrão de uma região).

Estas contribuições nasceram de sua incrível imaginação geométrica; há um dito de que, se alguém no mundo tem alguma intuição sobre a geometria em quatro dimensões, este alguém é Penrose!

Em artigos e palestras, esta intuição é colocada à mostra em seus desenhos geométricos inventivos e meticulosos; em conferências, com algum efeito cômico, ele é o único a ainda usar transparências para apresentá-los. Figurativa, e literalmente, sua imaginação transparece.

Na física e na matemática, cada contribuição sua ---da geometria e cosmologia à física quântica--- deu origem a um novo campo de estudo. Apenas enumerá-las todas já alongaria demais esta coluna; me restrinjo a explicar a contribuição reconhecida pelo prêmio Nobel.

Para isso, convém prover um pouco de contexto: a teoria da Relatividade Geral de Einstein foi elaborada em 1915, mas ainda ao final dos anos 1950 não se sabia ao certo o que aconteceria se uma grande quantidade de massa se concentrasse em um pequeno espaço.

A falta de entendimento não refletia a falta de interesse no assunto, e sim a extrema complexidade matemática da teoria. Para comparação, imagine aplicar a teoria newtoniana de atração gravitacional para prever o movimento de um grande número de partículas puntiformes (como o que estudamos no colegial). A complicação, mesmo para três partículas, é que o movimento da primeira influencia o movimento da segunda, que influencia o da terceira, que, simultaneamente, influencia o da primeira!

Precisamos resolver simultaneamente um grande número de equações dependentes umas das outras. Soluções exatas desse tipo de sistema só são possíveis se a configuração inicial das partículas for extremamente especial, como, por exemplo, se num primeiro momento elas se distribuíssem uniformemente em todas as direções relativas a um centro comum.

Nestes casos simplificados, dizemos que a configuração inicial é altamente simétrica (neste exemplo, esfericamente simétrica), e o sistema de equações tem solução exata.

Contudo, soluções de problemas extremamente idealizados não são sempre interessantes para o mundo real, porque suas propriedades são também altamente atípicas. No exemplo acima, haveria uma colisão central de todas as partículas, mas isso só ocorre se todas as partículas começam perfeitamente espaçadas e à mesma distância do centro.

Pois agora imagine que tivéssemos que resolver um sistema de equações assim para um número infinito de partículas; soluções exatas das equações só seriam possíveis em condições extremamente especiais.

A teoria da Relatividade Geral é uma teoria de gravitação deste tipo, com uma equação para cada ponto do espaço e do tempo. Espaço e tempo são como uma esponja que se curva, contorce e dilata em resposta à presença de matéria e energia. Planetas, asteroides, bolas de futebol e até a luz, ao traçarem suas trajetórias no espaço-tempo, sentem e respondem à topografia da esponja. O número de equações é infinito porque cada ponto da esponja precisa ser descrito pela teoria.

Voltemos então, ao final dos anos 1950. Sabia-se somente que um sistema com uma distribuição esfericamente simétrica de massas, como uma nuvem perfeitamente redonda e suficientemente densa, -colapsaria sob o próprio peso. Depois do colapso, a densidade no centro da nuvem se tornaria infinita: uma monstruosidade para qualquer descrição física.

Mas pelo menos não seria possível observar esta singularidade de longe, pois, ao colapsar, a nuvem esférica deixaria em seu lugar uma região de onde nem a luz escaparia para contar a história para observadores longínquos. Um buraco negro haveria se formado ao redor da singularidade.

O que não se sabia antes de Penrose é se esses fenômenos, o colapso da nuvem e o buraco negro deixado em seu lugar, eram artefatos de idealizações matemáticas, como a colisão central de partículas descrita acima, ou se eram realmente parte das previsões da teoria para o mundo real.

Einstein, mais tarde apoiado pela formidável escola russa, acreditava nesta segunda hipótese: de que o buraco negro não era um fenômeno físico, e que o colapso e a singularidade eram efeitos espúrios advindos de idealizações matemáticas, que desapareceriam uma vez que as assimetrias do mundo real fossem levadas em conta.

Penrose introduziu técnicas que permitiam evitar as idealizações e as (raras) soluções exatas da teoria da relatividade. Começou por traduzir matematicamente a ideia de que um buraco negro é uma região do espaço-tempo suficientemente deformada pela presença de matéria. A topografia da esponja ali seria tão distorcida que nenhum tipo de foguete, nem a luz, conseguiria escapar da região.

Mais precisamente, imagine-se em um quarto escuro enorme, com uma bomba (de um formato qualquer, mesmo não esférico) a ser detonada em seu interior. Independentemente do formato da bomba, esperamos que a cada segundo posterior à sua explosão um tanto a mais do espaço ao redor seria iluminado.

Penrose percebeu que o que chamamos hoje de buraco negro (o termo foi introduzido posteriormente para descrever os objetos matemáticos introduzidos por ele) requereria o contrário: devido à curvatura da esponja, o espaço total iluminado ao redor de uma dessas bombas teria que diminuir com o tempo. É como se, a cada segundo, enxergássemos porção menor do quarto escuro. Qualquer informação sobre o interior da bomba estaria, portanto, confinada (e note que não precisamos nunca falar em simetrias ou idealizações).

Com uma definição matematicamente precisa de "superfícies aprisionadas", de onde nem a luz escapa, Penrose demonstrou que inevitavelmente sucederia uma singularidade, e que nada de excepcional precisaria ocorrer ao cruzar a fronteira de um buraco negro —você só não conseguiria mais se comunicar com o lado externo.

A partir desta contribuição histórica, a escola Russa admitiu derrota e iniciou-se o estudo de propriedades genéricas mais realistas de buracos negros e do colapso de estrelas.

Contudo, apesar de avanços e da aparente certeza dos especialistas nos anúncios do prêmio Nobel, a definição exata de um buraco negro ainda é matéria controversa. Matematicamente não sabemos, por exemplo, quando uma distribuição de matéria em rotação entra em colapso e forma um buraco negro.

Como a enorme maioria deles que enxergamos aparenta estar em rotação, temos aqui um grande vão (para não dizer buraco) no nosso entendimento do Universo.

Quem sabe se, com o reconhecimento do Nobel, Penrose, no auge dos seus 89 anos, não volte a iluminar a questão com sua curiosidade juvenil e imaginação visionária?

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