A pandemia trouxe à tona —e a uma relevância imediata— o debate sobre a comunicação científica. A relevância do debate ficou nítida recente, com a participação de Robert Malone no podcast do ex-comediante Joe Rogan.
Em termos de número de pessoas inscritas, o podcast de Rogan é um dos maiores: cada episódio é ouvido por milhões de pessoas ao redor do mundo. Malone é um cientista genético com opiniões, digamos, não convencionais sobre as vacinas contra Covid-19. Por não convencionais, eu quero dizer que contrariam as melhores análises e evidências científicas que temos hoje sobre os efeitos da vacina.
Mas ele vem acompanhado de certificados acadêmicos legítimos e clama ter "inventado a vacina de RNA mensageiro". Esta é uma distorção da realidade: Malone foi responsável por só uma pequena peça de um grande quebra-cabeça.
Compreensivelmente, o aplicativo de música Spotify, em que o podcast de Rogan está hospedado, sofreu enorme pressão para rescindir seu contrato, e alguns músicos famosos, como Neil Young, tiraram suas músicas do aplicativo.
Não quero discutir aqui os erros nos argumentos de Malone (muitos) ou se Joe Rogan é antivacina (provalmente). O que me interessa são as condições que permitiram que esse nível de desinformação fosse transferido para um público enorme e o que fazer sobre isso.
Em primeiro lugar, um mea-culpa em prol da comunidade científica. Acredito que erramos quando exageramos certezas científicas para tentar comandar uma resposta pública.
Um exemplo: há pouquíssima evidência concreta e pouco motivo teórico para achar que máscaras ajudam a impedir, ao ar livre, a propagação do vírus. Muitos países que dizem "seguir a ciência" (como o Reino Unido) nunca requereram o uso de máscaras ao ar livre, mas, em muitos países onde o seu uso é obrigatório, vemos cientistas com funções governamentais exagerando sua eficácia.
Mesmo que eu apoie o uso de máscaras, é preciso deixar bem claro que, em termos de efeitos e de embasamento científico, há uma grande distância entre máscaras e vacinas. Isso não quer dizer que máscaras em ambientes internos (ou mesmo externos) não são parte da solução, mas é preciso comunicar ao público uma gradação de efetividade e focar aquilo que é realmente essencial. Nós temos um capital limitado de confiança e atenção pública; devemos gastá-lo nos pontos importantes.
Como eu expliquei em outra coluna, nosso consenso científico tem diferentes graus de certeza —ele não é binário—, mas grande parte da mídia tem dificuldade em comunicar essa nuance.
Mesmo órgãos de checagem de fatos, como o Snopes, que historicamente se atinham a tópicos em que a certeza era altíssima (como o local de nascimento do ex-presidente Barack Obama), agora professam com mesmo grau de certeza sobre tópicos delicados, como o risco de uma terceira dose de vacinas de RNA mensageiro causarem miocardite em crianças.
É possível fazer vista grossa a esses excessos, com a justificativa de que impelem uma parte maior da população a ser mais cuidadosa. Pode até ser que eles surtem esse efeito a curto prazo, mas, a longo prazo, o efeito é devastador.
Como já afirmei, precisamos "reconhecer as incertezas do processo [cientifico] e até mesmo a possibilidade de mudanças radicais de consenso; [...] essa humildade epistêmica, sugerida por Popper e adotada pela comunidade científica como um todo, não deve ser secreta. Pois falhar em comunicá-la terá, inevitavelmente, efeito corrosivo na confiança pública na ciência. [...] Nesta epidemia, motivados por uma atitude paternalista deslocada de nossa função na sociedade, fomos nós [cientistas] que falhamos em comunicar estas incertezas para o público. [...] Falhamos quando não retratamos publicamente projeções epidemiológicas grossamente fracassadas e explicamos como corrigiremos nossos modelos; falhamos quando mudamos de opinião sorrateiramente. [...] Tratemos o público como adultos. E, do outro lado, o público precisa recalibrar suas expectativas. A alternativa —não tenha dúvidas— é o afrouxamento da confiança mútua e um futuro escuro para a humanidade."
Quando se perde a nuance, se afrouxa a confiança. Neste momento, os Joe Rogans do mundo encontram espaço e engajamento público.
A Dinamarca dá um exemplo do que é possível. O país produziu modelos e previsões mais otimistas que Reino Unido e EUA (que se saíram também mais precisas) e tentou se comunicar direta e honestamente com a população.
O resultado não foi catastrófico, pois essa é a mesma Dinamarca que tem 81% de sua população vacinada, sem nenhuma obrigatoriedade de vacinação, que recentemente terminou todas as intervenções não farmacológicas nas liberdades de sua população e que tem, dentro da Europa, uma das menores taxas de mortes em excesso (dos anos da pandemia relativos aos outros anos).
A resposta então aos Joe Rogans do mundo, ao meu ver, não são mais obrigatoriedades e mais censura: de novo, essas são medidas que podem até funcionar a curto prazo, mas que serão devastadoras mais adiante. Há gente demais pensando de forma parecida. A censura só lhes dará outro endereço, provavelmente mais distante do nosso alcance.
Não, acredito que a solução seja muito mais trabalhosa. Aqui, eu concordo com o jornalista político Ezra Klein:
"O problema de Rogan é apenas uma versão em miniatura do nosso amplo problema social: o que precisamos aumentar é confiança e persuasão. A política é uma ferramenta muito grosseira para fazê-lo [...]. A lição dos últimos anos é que precisamos ter confiança e solidariedade como nossa primeira prioridade. Esse tipo de trabalho é difícil e emocionalmente insatisfatório. Significa coalizões que você não quer fazer e, paciente e generosamente, cortejar pessoas que você acha que estão realmente prejudicando a sociedade. Esse tipo de política é muito difícil, mas não há alternativa óbvia para isso".
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