Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu Venezuela

Alinhamento internacional é a maior surpresa na crise venezuelana

Liderados pelos EUA de Donald Trump, países têm declarado apoio a Juan Guaidó

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Quase 90% dos venezuelanos hoje vivem na pobreza. A inflação está projetada para chegar a 10.000.000%  em 2020, segundo o FMI; para comprar produtos de primeira necessidade como leite e pão, quando têm a sorte de encontrá-los nos supermercados, os cidadãos já precisam levar dinheiro literalmente em carrinhos de mão. Mais de 3 milhões de pessoas abandonaram o país desde 2015.

O mundo assiste com consternação à queda da Venezuela –uma economia no passado reforçada pelas maiores reservas petrolíferas comprovadas do mundo—, que de nação antes próspera tornou-se uma catástrofe humanitária em menos de uma década.

No entanto, pela primeira vez desde que o presidente Nicolás Maduro chegou ao poder, em 2013, a situação política no país parece finalmente ter começado a mudar. Isso já seria motivo de comemoração por si só, mas parece que também estamos testemunhando algo inesperado e afortunado. É algo que vai muito além de pessoas se rebelando contra condições de vida miseráveis ou um regime repressor.

Essa história já se desenrolou muitas outras vezes e em muitos outros lugares. O que é excepcional na situação atual da Venezuela é que a oposição no país hoje tem o respaldo de um alinhamento genuíno de potências estrangeiras unidas em torno de uma questão que não representa um interesse nacional fundamental de nenhuma delas.

Um movimento oposicionista dominado e fragmentado pelos inúmeros problemas do país e pelo resoluto apoio militar a um governo inepto uniu-se em torno de Juan Guaidó, engenheiro de 35 anos e presidente da Assembleia Nacional. Guaidó ousou ser a figura unificadora em torno da qual os venezuelanos podem se mobilizar. Ele é reforçado por sua posição de líder eleito da Assembleia Nacional, mas também pela coragem necessária para evocar a Constituição para proclamar-se o “presidente interino” até que possa haver eleições livres e justas. Mas seu esforço para revitalizar o sistema político rompido do país também é respaldado pelo apoio amplo e profundo de boa parte da comunidade internacional.

No momento em que este artigo foi escrito, mais de 20 países já haviam reconhecido Guaidó como o líder venezuelano de direito, entre eles os EUA, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha e os principais países latino-americanos, exceto o México.

Já houve outros líderes opositores antes de Guaidó, mas Maduro se impôs sobre eles. Não será igualmente fácil empurrar Guaidó de lado, agora que tantos outros países se comprometeram a apoiá-lo. E, em um mundo onde tantos países vêm cada vez mais adotando uma política externa baseada na premissa de “cada país por si”, isso é no mínimo espantoso.

Ainda mais surpreendente é o fato de que foi uma administração americana liderada por Donald Trump que liderou o esforço por uma resposta internacional ao impasse político da Venezuela. A decisão inesperada de Trump de adotar uma linha dura contra o regime de Maduro (com sanções contra a estatal petrolífera PDVSA e a entrega direta a Guaidó do controle de alguns dos bens da Venezuela nos EUA) parece contradizer sua política externa de “a América em primeiro lugar”.

Mas o novo engajamento de Trump com a democracia na Venezuela é fruto do engajamento do senador Marco Rubio (aliado republicano chave para quem o que acontece na Venezuela é crucial para sua base eleitoral na Flórida) e a linha dura dos assessores de Trump na Casa Branca, incluindo o assessor de Segurança Nacional John Bolton.

Não está claro que Trump esteja preocupado com a situação desesperadora dos venezuelanos, assim como não está preocupado com a situação desesperadora dos sírios ou dos muçulmanos rohingyas no sudeste asiático, mas ele quer ser visto como figura poderosa e que impulsiona mudanças geopolíticas, e as medidas sobre a Venezuela tomadas até agora por sua administração encerram risco mínimo para os interesses dos EUA.

Um fato que ajuda, com certeza, é que o petróleo venezuelano hoje é muito menos importante para o misto energético dos EUA do que foi no passado, deixando a Washington mais margem para agir agressivamente no front diplomático. Igualmente importante é o fato de Maduro ser muito menos importante para as maquinações geopolíticas de potências estrangeiras do que é Bashar al Assad, na Síria, para países como a Rússia e o Irã –e que seu país ganhou a fama de não saldar suas dívidas no exterior.

A preocupação humanitária nunca é o bastante, por si só, para levar a intervenções externas, mas a crise venezuelana e o profundo cinismo do governo de Maduro fizeram exatamente isso. Não há garantias de que transformações reais sejam iminentes.

Maduro já mostrou muitas vezes que consegue se manter no poder, principalmente porque as forças armadas do país ainda não decidiram que conservá-lo terá custo mais alto e encerrará mais riscos do que enviá-lo ao exílio.

Além disso, quando a Venezuela finalmente tiver uma nova liderança, o país enfrentará problemas incontáveis, sendo alguns dos principais sua dívida gigantesca e as consequências da fuga de profissionais qualificados, que ocorre há uma década. Mas o alinhamento de tantos governos estrangeiros agora traz a esperança de que a população venezuelana finalmente tenha dias melhores pela frente.

Tradução de Clara Allain

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