Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Nova fase da rivalidade entre EUA e China tem potencial de deslanchar uma nova guerra fria

Combinação de pressão política em casa e força adicional no exterior constitui mistura explosiva

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Enquanto ganham força os chamados pela reabertura das economias, líderes mundiais enfrentam pressão crescente para equilibrar corretamente as preocupações com a saúde, as economias nacionais e seu próprio futuro político.

Isso se aplica ao presidente americano, Donald Trump, que se encaminha para sua campanha de reeleição em novembro deste ano, mas um nome inesperado que vem engrossar esta lista de líderes mundiais vulneráveis é o do presidente chinês, Xi Jinping.

Esta nova realidade pode levar os EUA e a China para a iminência de uma guerra fria.

Xi Jinping e Donald Trump em muro pintado pelo artista Eme Freethinker em Berlim, Alemanha - John Macdougall - 28.abr.20 / AFP

Presumia-se que Xi fosse imune a esse tipo de pressão política. A China não é uma democracia, e Xi passou seus anos na direção do país até agora consolidando seu poder em ritmo impressionante.

Mesmo uma guerra comercial onerosa com os Estados Unidos pouco prejudicou sua estatura política em seu país.

Mas o acobertamento inicial do vírus possibilitou sua propagação na Grande China e no resto do mundo, provocando reações negativas sem precedentes contra a liderança chinesa, tanto em casa quanto ao nível internacional.

A decisão da China de continuar sendo pouco transparente sobre o que ela sabia e quando o soube não lhe valeu muitos amigos, e o mesmo pode ser dito de sua tentativa de fazer diplomacia na crise, prejudicada por equipamentos médicos defeituosos.

E isso foi antes de Pequim ter começado a ameaçar os países que fizeram pressão por uma investigação internacional sobre as origens do vírus.

O coronavírus deixou Xi em uma situação política mais incômoda do que ele jamais enfrentou antes, dentro ou fora da China. Pela primeira vez, ouvem-se rumores vindos de Pequim de que Xi não teria um terceiro mandato assegurado.

Não que a liderança dos EUA tenha muito do que se gabar. Na fase inicial da pandemia, Trump passou muito tempo minimizando o perigo do vírus. Os EUA ainda não alcançaram sua meta declarada de instituir um regime amplo de testes, pré-requisito para a reabertura da economia em condições de segurança.

E, enquanto a China pelo menos procurou indicar alguma preocupação com o resto do mundo, a administração Trump fez ainda menos: os EUA nem se deram ao trabalho de comparecer a uma conferência virtual sobre vacinas promovida nesta semana.

Para Trump, porém, o mais preocupante de tudo é a devastação no curto prazo da economia americana, cuja pujança era vista como o elemento fundamental de sua campanha de reeleição. Trump está perdendo para Joe Biden na disputa em estados críticos, segundo as sondagens internas de sua própria campanha.

Contudo, embora Xi e Trump estejam ambos sentindo os efeitos negativos de seus erros iniciais em relação ao coronavírus, o vírus na realidade fortalece os EUA e a China em relação ao resto do mundo, no longo prazo.

E essa combinação de pressão política em casa e força adicional no exterior constitui um misto explosivo.

Para a China, boa parte de seu poderio internacional está vinculada à posição crítica que ela ocupa nas cadeias de fornecimento globais, além de sua importância geral nos mercados de comércio e crédito internacional do século 21.

O papel-chave que o país exerce na rede de fornecimento global de equipamentos médicos significa que ele será essencial no combate ao coronavírus, suavizando as críticas internacionais a Pequim.

E a China se encontra em posição melhor para emergir economicamente da crise em menos tempo, graças a seu domínio de técnicas de vigilância e isolamento que não funcionam igualmente bem em democracias.

Em outras palavras, a China é indispensável para o reboot da economia global. E, em um momento em que mais e mais coisas no mundo acontecem online, o lançamento iminente de sua tecnologia 5G vem apenas aumentar sua pegada geopolítica.

Esse último ponto é crucial e ressalta uma vantagem semelhante dos EUA: embora algumas das empresas de tecnologia mais bem preparadas para ajudar o mundo a lidar com o lockdown e nossa nova realidade de distanciamento social sejam chinesas, um número muito maior delas é americano, e nenhum outro país sequer chega perto.

Os aliados dos EUA que desconfiam da tecnologia chinesa não terão outra escolha senão aceitar os padrões de Washington, porque as empresas de tecnologia das quais eles dependem terão que fazê-lo também.

Quando se incluem nessa conta a independência alimentar e energética em um tempo de nacionalismo crescente –sem falar no domínio contínuo do dólar americano como porto seguro em tempos de crise econômica--, vê-se que os EUA provavelmente vão emergir depois desta crise ainda mais fortes, pelo menos em comparação a seus aliados.

Essa combinação de fragilidade política de curto prazo dos líderes e força estrutural de longo prazo de seus países aumenta ainda mais as chances de Xi e Trump atacarem um ao outro para esquivar-se das ameaças políticas em casa, e eles o farão a partir de posições de força internacional.

Por difícil que seja acreditar nisso, é possível que o coronavírus seja apenas o começo dos problemas geopolíticos do mundo.

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