Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu China Rússia

Poder máximo de Xi Jinping virou um problema global

Decisões arbitrárias do líder chinês sobre combate à Covid e repressão a empresas de tecnologia terão alto custo

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Xi Jinping emergiu do 20º Congresso Nacional, em outubro de 2022, com o controle sobre o Partido Comunista –logo, sobre a China— maior que o de qualquer líder desde Mao Tse-tung.

Ele pode agora seguir com sua abordagem estatista à economia chinesa e sua política externa declaradamente nacionalista, enfrentando ainda menos resistência interna do que encontrou quando começou a consolidar seu poder, uma década atrás. Como consequência, sua capacidade de tomar decisões arbitrárias que impactam a vida de bilhões de vidas é inigualável.

E, pelo fato de a China hoje ser exponencialmente mais importante para a estabilidade da economia global e o equilíbrio geopolítico do que era durante o reinado de Mao, o poder de Xi virou um problema global.

O líder chinês, Xi Jinping, em evento do Festival da Primavera no Grande Salão do Povo, em Pequim
O líder chinês, Xi Jinping, em evento do Festival da Primavera no Grande Salão do Povo, em Pequim - Li Tao/Xinhua

Considere algumas de suas decisões recentes. Sua recusa em importar vacinas de mRNA fabricadas no exterior deixou os 1,4 bilhão de habitantes do país muito mais vulneráveis à Covid do que deveriam estar.

As mortes por Covid na China até hoje representam só uma pequena parcela das registradas nos EUA e na Europa, mas há bons motivos para recear que esse sucesso espantoso (embora de alto custo econômico e social) não dure muito tempo. Some-se a isso a falha em vacinar a população adequadamente, mesmo com vacinas de fabricação chinesa, e milhões estão correndo o risco de adoecer gravemente ou algo pior.

A busca de controle pelo líder chinês tem tido efeitos nocivos consideráveis também em outras áreas.

Uma repressão sigilosa às empresas de tecnologia do setor privado, movida provavelmente pelo medo de que essas firmas exerçam influência excessiva sobre o fluxo de informação no país, prejudica a capacidade da China de produzir novas tecnologias digitais inovadoras e enfraquece a confiança dos investidores internacionais no país como um lugar seguro para seus investimentos. Assim, tira US$ 1 trilhão de capital de mercado de uma das áreas mais eficientes do setor privado chinês.

Na área da política externa, o anúncio de Xi de uma amizade chinesa "sem limites" com a Rússia, feito apenas três semanas antes da invasão da Ucrânia, exacerbou os temores da América e da Europa de que Xi compartilha o desejo profundo de Putin de redesenhar o sistema internacional.

Em todos os três casos, a personalidade autoritária de Xi, seu esforço para exercer controle político e econômico rígido e sua abordagem linha dura à política externa falaram mais alto que os conselhos prudentes que ele de outro modo poderia ter recebido de vozes na burocracia de Estado.

E isso foi antes de novembro, quando Xi se coroou imperador, enchendo o Comitê Permanente do Politburo de partidários leais e descartando o consenso pós-Mao de governo por comitê na China. Agora que a política chinesa emana diretamente de um líder único e todo-poderoso, há ainda menos transparência no processo político, menos informação confiável vinda do alto escalão para subsidiar esse processo e menos espaço para admitir erros, alterar rumos ou mesmo fazer concessões.

O problema representado pelo "Xi Máximo" vai aumentar em 2023. Para começar, a decisão espantosa de acabar com a política de Covid zero repentinamente e sem uma preparação cuidadosa pode matar 1 milhão ou mais de chineses. Essa decisão abrupta de permitir que o vírus se propague irrestritamente, especialmente levando em conta o baixo índice de vacinação de idosos, foi tomada sem aviso prévio à população ou mesmo aos governos locais e vai criar um caos letal que o governo de Xi tentará esconder do mundo externo e da própria população chinesa. Apenas um imperador poderia executar uma reversão de rumo tão extraordinária –e que terá um custo tão extraordinariamente alto.

Na eventualidade de emergir uma cepa nova e perigosa do vírus, o "Xi Máximo" eleva a probabilidade de ela se propagar rapidamente pela China e para fora do país. A capacidade da China de identificar essa nova variante seria comprometida pela ordem de Xi de reduzir os testes rápida e drasticamente.

Também precisamos temer que os hospitais chineses não estejam preparados para a enxurrada de pessoas gravemente doentes que começaram a receber. E, dada a origem da Covid, o mundo tampouco pode confiar que a China vai compartilhar informação necessária para proteger vidas fora do país.

Para a economia, o esforço para controlar o Estado vai produzir decisões que não serão contestadas pelas opiniões de especialistas e provocará um aumento da incerteza política. Isso é má notícia para uma economia já enfraquecida por dois anos de lockdowns, pela queda da confiança no tão importante setor imobiliário chinês e em moratórias de dívidas que podem enfraquecer o setor financeiro chinês.

A manipulação de estatísticas econômicas por Pequim também tem sido questionada. A decisão repentina de adiar a divulgação de dados econômicos, prevista havia muito tempo para ser feita durante o congresso do partido, foi um sinal nada positivo do que está por vir para os mercados globais.

Finalmente, no que diz respeito à política externa, as posições nacionalistas de Xi e seu estilo assertivo vão definir as relações de Pequim com rivais, aliados e um grande número de governos que relutam profundamente em correr o risco de converter-se em uma dessas coisas.

Dada a escala e a urgência dos desafios econômicos domésticos, Xi sabe que seu país não pode se dar ao luxo de uma crise no curto prazo. Mas a diplomacia do "lobo guerreiro" vai se intensificar mesmo assim, com diplomatas ecoando o discurso agressivo de Xi na política externa. A afinidade com Putin e sua visão de mundo vão limitar o engajamento com governos que apoiam a Ucrânia. O comportamento russo mais agressivo, algo que parece certo em 2023, afetará as atitudes de EUA e Europa em relação a Xi e à China.

Na última vez que um líder chinês exerceu tanto poder irrestrito, o resultado foi fome generalizada, ruína econômica e a morte de milhões de pessoas. Não há Revolução Cultural ou Grande Salto Adiante no horizonte, e as dimensões da classe média urbana educada da China formam um dos poucos freios à capacidade de Xi de tomar medidas drásticas como essas. Mas "Xi Máximo" já custou muito à China e à população chinesa e provavelmente lhes custará ainda mais em 2023.

Tradução de Clara Allain

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