Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu Rússia

China não vai colocar em risco sua relação especial com a Rússia

Interessa a Pequim não um tratado de paz imediato na guerra da Ucrânia, mas um cessar-fogo que mantenha as conquistas de Putin

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Vladimir Putin certamente há muito não ouvia alguém se referir a ele como "meu querido amigo", mas foi este o adjetivo usado pelo líder chinês Xi Jinping em visita a Moscou encerrada na última quarta-feira (21).

Foi o primeiro encontro dos dois desde a visita de Putin a Pequim por ocasião das Olimpíadas de Inverno em 2022, dias antes de iniciada a invasão da Ucrânia por tropas russas.

O líder chinês Xi Jinping e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, no Kremlin, em Moscou, no dia 21 de março - Pavel Byrkin/AFP

Quem esperava, porém, que, ao encontrar seu homólogo, Xi pressionasse Moscou por uma resolução imediata da guerra se frustou.

Em essência, o encontro não trouxe muita coisa nova da já divulgada proposta de 12 pontos apresentada por Pequim para encerramento das hostilidades em solo ucraniano, criticada por não condenar o desrespeito à soberania territorial ucraniana e em nenhum momento demandar desocupação.

Em comunicado conjunto às margens da visita, China e Rússia pediram respeito a "preocupações legítimas" de segurança desencadeadas pela expansão da Otan e cutucou americanos e europeus ao acusar países terceiros de incentivar a continuidade da guerra.

A China, que tradicionalmente não adere a sanções unilaterais não sancionadas pelo Conselho de Segurança da ONU, não demonstrou interesse em pressionar os russos comercialmente. Os clamores ficaram, por enquanto, no discurso.

Americanos foram rápidos em reagir ao tom amistoso, acusando Xi de dar guarida a crimes de guerras ordenados por Putin na Ucrânia. Em geral, a imprensa adotou uma narrativa uníssona na qual os dois líderes teriam com a reunião solidificado uma aliança anti-ocidental. Arrisco dizer, porém, que é cedo para afirmar incapacidade ou desinteresse chinês na mediação da guerra.

Não há indicativos de que um envolvimento de Pequim nas negociações entre Kiev e Moscou será imediato. Conhecidos pelo pragmatismo, chineses têm tateado as pedras e buscado uma opção que não coloque em risco a relação especial mantida com os russos, que mantenha os ganhos advindos das sanções —o volume de comércio entre os dois países cresceu 34,3% em 2022, com empresas chinesas ávidas por conquistar o vácuo no mercado deixado por empreendimentos ocidentais que deixaram o país.

E, ao mesmo tempo, uma opção que assegure a estabilidade das cadeias produtivas internacionais. Xi também espera contar com um aliado fiel caso se veja forçado a reconquistar Taiwan. No dia seguinte ao início da guerra, por exemplo, vazou a orientação para a imprensa estatal exortando jornalistas a evitar críticas ao movimento russo, já que uma invasão à ilha considerada província rebelde pelos chineses precisaria de resguardo diplomático russo.

Diante do xadrez geopolítico, interessa a Pequim não um tratado de paz imediato, mas um cessar-fogo que mantenha as conquistas de Putin sem alienar suas demandas do presidente russo. A chancelaria chinesa já avisou que Xi pretende ligar em breve para o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no que será a primeira conversa formal entre os dois desde o início da invasão.

No currículo, a China pode se vangloriar de um feito diplomático notável: na semana passada, com intermediação chinesa, Irã e Arábia Saudita retomaram os contatos diplomáticos praticamente interrompidos desde 2015. Nem todas as arestas estão aparadas, mas, para o prestígio da diplomacia chinesa, agora há condições mínimas para que ambos os lados se sentem à mesa e conversem.

É verdade, será um objetivo difícil de se alcançar na Europa, visto o legítimo temor que um cessar-fogo daria ao Kremlin tempo para reorganizar a investida militar e consolidar as ocupações ilegais em seu território. A alternativa a Kiev, porém, é queimar recursos e vidas em uma guerra que, na forma como está, se arrastará por anos, testando a resiliência ucraniana e a tolerância da sociedade ocidental em continuar generosamente financiando a máquina de guerra.

Na passagem por Moscou, Xi provou ter os ouvidos de Putin. Resta observar se com Zelensky a banda tocará da mesma forma.

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