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Apresentando-se como pacificador, Xi Jinping tenta mediar fim da Guerra da Ucrânia

Líder chinês planeja reunião com os pares russo e ucraniano na próxima semana

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David Pearson Anatoly Kurmanaev Marc Santora
The New York Times

Apresentando-se como estadista global, o líder máximo da China, Xi Jinping, está ajudando a Arábia Saudita e o Irã a restabelecer laços diplomáticos e alardeando as qualidades das "soluções e sabedoria chinesas" na busca por resoluções dos maiores problemas de segurança do mundo.

Agora, Xi está se posicionando no centro da guerra da Rússia com a Ucrânia, com o objetivo de posar como mediador capaz de acalmar os ânimos do conflito prolongado.

O presidente russo, Vladimir Putin, e o líder chinês, Xi Jinping, após reunião diplomática em Pequim em fevereiro deste ano - Alexei Druzhinin - 4.fev.22/Sputnik/AFP

O líder chinês vai se reunir pessoalmente com o presidente russo Vladimir Putin nesta semana e é possível que esse encontro seja seguido por um telefonema com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. A China já propôs um acordo de paz, ainda que este não abranja detalhes importantes como a possibilidade de retirada das tropas russas. Quando anunciou a visita de Xi à Rússia, um funcionário chinês disse na sexta-feira que seria "em nome da paz".

Para Pequim, está em jogo seu esforço para legitimar-se como líder da ordem mundial, alternativa àquela antes dominada pelos Estados Unidos. É um papel que Pequim vem buscando assumir com urgência crescente para resistir ao que Xi descreveu como "a contenção, o cerco e a supressão da China" por parte de Washington.

Dados os objetivos e interesses conflitantes de Xi, sobra ceticismo no Ocidente em relação às suas intenções na guerra. Pequim nunca chegou a condenar a invasão russa e repete ipsis litteris a afirmação do Kremlin de que a guerra foi provocada pela expansão da Otan.

A visita de Xi será feita no momento em que se veem ainda mais sinais de polarização global em relação à Rússia. Na sexta-feira (17) o Tribunal Penal Internacional emitiu uma ordem de prisão de Putin por acusações de crimes de guerra no conflito na Ucrânia. E aliados da Ucrânia na Otan prometeram ainda mais assistência aps ucranianos para ajudá-los a repelir as forças russas, incluindo a intenção da Polônia e da Eslováquia de fornecer caças-bombardeiros a Kiev.

Tanto a Rússia quanto a Ucrânia enxergam a China como uma força potencialmente transformadora, dotada de influência suficiente para romper o impasse. Mas Moscou e Kiev também têm consciência aguda de que a China pode alterar fundamentalmente a dinâmica no campo de batalha se começar a desempenhar um papel mais direto no reabastecimento do arsenal russo, gravemente exaurido.

"Agora mais que em qualquer outro momento, a influência internacional da China como grande potência é necessária para a paz", disse Shi Yinhong, professor de relações internacionais na Universidade Renmin, em Pequim, refletindo o senso que Pequim tem de sua importância global crescente desde que foi selado o pacto entre Teerã e Riad.

Aproveitar esse impulso e mergulhar na disputa da guerra pode ajudar Xi a realizar uma das coisas mais necessárias à China: reparar o relacionamento de Pequim com a Europa. Com a economia chinesa passando por dificuldades, Xi quer impedir que a Europa se alinhe demais com os Estados Unidos no tocante a restrições comerciais e de investimentos à China.

Para isso, dizem analistas, Xi provavelmente terá que demonstrar um esforço suficientemente forte para pôr fim à guerra russa, num esforço para explorar posições divergentes dentro da União Europeia em relação ao esforço dos EUA contra a China. Se ele conseguir, isso pode ajudar a satisfazer os países que estão ansiosos por aumentar seu engajamento econômico com Pequim, incluindo a Alemanha e França.

"O alvo de Xi Jinping não é a Rússia ou a Ucrânia, mas a Europa ocidental", disse Danny Russel, vice-presidente da organização Asia Society Policy Institute e ex-secretário-assistente de Estado dos EUA. "Em última análise, ele quer criar uma situação que leve Alemanha e França a acreditar que ele tentou de fato ajudar a acabar com a guerra."

Para Moscou, as condições prévias para conversações de paz são muitas. A Rússia rejeitou a exigência ocidental de retirada de suas tropas como precondição para um diálogo. Em seu encontro com Xi, Putin provavelmente vai priorizar o pedido de que Pequim ajude Moscou a repor seus estoques de componentes militares e vai querer aumentar suas exportações à China, para engordar as reservas do Kremlin para financiar a guerra. O encontro também possibilitará à Rússia enfatizar que ela não foi isolada pela comunidade global.

Para a Ucrânia, a China representa uma potencial fonte de apoio vital, na medida que tem peso suficiente junto à Rússia para influir sobre a guerra. Com o incentivo de Moscou, Zelenski vem buscando conversações com Xi há meses. Ele chegou a enviar sua esposa, Olena Zelenska, para entregar à delegação chinesa uma carta solicitando um encontro no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça.

O papel da China é complicado. Pequim tem procurado retratar-se como observadora neutra na guerra, mas continua a dar apoio diplomático e econômico à Rússia e saudou visitas de aliados de Pequim.

O documento divulgado pela China em fevereiro apresentando uma proposta de resolução política da guerra foi amplamente criticado por líderes ocidentais pela ausência de planos concretos e por evitar fazer exigências que pudessem prejudicar os laços de Pequim com Moscou.

Washington avisou, no mês passado, que a China se prepara para fornecer armas letais à Rússia e ameaçou impor sanções se ela de fato o fizer. Pequim rejeitou a alegação e acusou os EUA de empurrar os dois países na direção do "conflito e confronto".

Analistas consideram improvável que a China corra o risco de suprir armas e munição a Moscou, exceto se as forças russas enfrentassem a possibilidade de colapso. Pequim está disposta a apoiar Putin, mas apenas o suficiente para que ele permaneça no poder e preserve uma frente unificada contra o Ocidente.

"A postura de Pequim em relação ao conflito é agnóstica", disse Aleksandr Gabuev, especialista nas relações da Rússia com a Ásia no instituto de pesquisas Carnegie Endowment for International Peace. "O que ela quer é prevenir uma derrota russa catastrófica, que poderia colocar Putin em risco."

Os laços profundos entre as duas potências nucleares seriam reforçados pela afinidade pessoal entre Xi e Putin, que anunciaram uma parceria "sem limites" pouco antes da invasão da Ucrânia. Desde então, a Rússia tem ficado cada vez mais dependente da China.

"Não existem laços mais importantes para a Rússia", disse Gabuev.

Ao anunciar a visita de três dias de Xi, começando nesta segunda-feira (20), a Rússia disse que as duas partes vão discutir "questões relativas ao desenvolvimento adicional da parceria ampla" entre os dois países, além de "aprofundar a cooperação russo-chinesa na arena internacional". Na prática do Kremlin, uma visita de estado representa a forma mais elevada de conversações bilaterais, normalmente reservada aos aliados mais próximos.

Na sexta-feira, ao discutir a visita, um porta-voz do Ministério do Exterior chinês, Wang Webin, disse que "conservar a paz mundial e promover o desenvolvimento comum são os objetivos da política externa da China", acrescentando que com relação à Ucrânia a China "sempre se posicionou pela paz, o diálogo e a correção histórica".

Nem a China nem a Ucrânia anunciaram um telefonema entre seus dois líderes. O protocolo em torno disso será mais complicado negociar com a Rússia.

A guerra tem beneficiado os interesses chineses sob alguns aspectos. Para Pequim, o conflito abriu acesso a petróleo mais barato da Rússia, submetida a sanções pesadas. Criou uma oportunidade maior para Xi evidenciar divisões entre os Estados Unidos e uma Europa cansada de guerra, que reluta em passar mais um inverno com a energia cara.

O que é mais importante é que a guerra tem impedido os Estados Unidos de dedicar mais atenção e recursos à Ásia, onde a China representa um desafio de longo prazo muito maior do que a Rússia à ordem mundial liderada pelo Ocidente.

"Se eu estivesse sentada em Pequim, acharia a guerra uma coisa boa", comentou Theresa Fallon, diretora do Centro de Estudos Rússia Europa Ásia, em Bruxelas. "Os EUA podem ir exaurindo suas munições e projéteis de artilharia, e sua atenção é distribuída amplamente, em vez de ser focada como um laser sobre seu grande desafio, que é a China."

Xi embarcou numa missão de "rejuvenescimento nacional", destacando o que enxerga como sendo o obstáculo que os Estados Unidos representam em seu caminho. As queixas de Putin sobre o avanço invasivo da Otan soam como verdadeiras para Xi no momento em que os Estados Unidos reforçam seus laços de segurança na região com o Japão, Coreia do Sul, Filipinas e Austrália.

Tradução Clara Allain

Tradução de Clara Allain

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