Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Rusga China-Canadá ilustra como importar agendas é um tiro no pé

Ao copiar Washington em imposição de tarifas contra Pequim, Ottawa jogou na fogueira um setor inteiro de sua economia

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Volta e meia falo aqui neste espaço sobre a necessidade de se desenvolver no Brasil uma política própria sobre como dialogar com a China. Claro, é ilusão achar que o discurso vindo da Europa e dos Estados Unidos não vá influenciar nossa percepção do país —mas um caso no Canadá ajuda a ilustrar os riscos de se importar uma agenda estrangeira nas relações diplomáticas e econômicas com Pequim.

Washington e Ottawa são parceiros muito próximos. Ao lado de Reino Unido, Nova Zelândia e Austrália, ambos os países fazem parte dos "Cinco Olhos", uma das redes de inteligência mais robustas do planeta. As trocas comerciais também são significativas, já que integram o tratado de livre comércio USMCA.

Líder da China, Xi Jinping, conversa com premiê do Canadá, Justin Trudeau, durante cúpula do G20 em Bali, na Indonésia
Líder da China, Xi Jinping, conversa com premiê do Canadá, Justin Trudeau, durante cúpula do G20 em Bali, na Indonésia - Adam Scotti - 16.nov.22/Divulgação Governo do Canadá/Reuters

Não é surpresa então que, quando o discurso anti-China ganhou impulso nos EUA, os canadenses foram atrás. Ottawa não titubeou, por exemplo, ao prender a diretora financeira (e filha do fundador) da Huawei, Meng Wanzhou, quando esta foi acusada pelo Departamento de Justiça americano de violar sanções contra o Irã.

Em fevereiro de 2023, o Canadá também se alinhou aos EUA ao condenar o episódio do suposto "balão espião chinês" que sobrevoou uma pequena porção do território canadense antes de ser abatido na costa dos estados da Carolina do Norte e do Sul. Ottawa chegou a convocar o embaixador chinês para dar explicações, uma medida considerada ríspida na diplomacia.

Mas o premiê Justin Trudeau anunciou então que estava copiando os EUA em outra questão: impor tarifas alfandegárias de 100% aos carros elétricos chineses, mimetizando quase integralmente uma ordem de Joe Biden em maio.

A questão é que o Canadá nunca foi um mercado prioritário de montadoras chinesas como BYD e GWM. E embora tenham justificado os impostos com base no vertiginoso aumento de importações dos veículos elétricos vindos da China (460% a mais em 2023, na comparação com o ano anterior), boa parte deles eram… da Tesla, que tem uma das suas maiores fábricas em Xangai.

A resposta veio a galope. Nesta semana, além de abrir uma reclamação formal contra a decisão na Organização Mundial do Comércio, Pequim abriu uma investigação antidumping sobre a canola canadense, produto que rendeu aos exportadores do país nada menos que US$ 5 bilhões no ano passado. A notícia derrubou os preços da commodity, causando um prejuízo imediato estimado de US$ 100 por acre.

A medida parece ser meramente retaliatória, já que não há elementos que comprovem a prática de dumping, mas o estrago está feito. Para proteger o mercado canadense da inexistente ameaça dos carros chineses, Trudeau jogou na fogueira um setor inteiro.

Casos assim ajudam a ilustrar como importar agendas é um tiro no pé. O relacionamento comercial com a China não é fácil, e não restam dúvidas de que o país, em muitos setores, não segue os padrões esperados de uma economia de mercado (pergunte aos produtores de aço no Brasil). Mas essas decisões precisam ser tomadas levando em conta particularidades próprias, não cópias cegas do que fazem os outros.

A agenda do Norte Global com a China é hoje muito mais confrontativa que no nosso caso, onde a despeito de percalços para setores pontuais, o saldo ainda é positivo. Se queriam fazer o Canadá de exemplo, ao menos desta vez os chineses conseguiram.

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