Demétrio Magnoli

Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

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Demétrio Magnoli
Descrição de chapéu STF X

Uma Rosa para Moraes

STF que hoje exercita censura prévia contra uns amanhã poderá exercê-la contra outros

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"Liberdade somente para os partidários do governo, somente para os membros de um partido, por mais numerosos que sejam, não é liberdade. Liberdade é sempre a liberdade de quem pensa de modo diferente. Não por fanatismo pela ‘justiça’, mas porque tudo quanto há de vivificante, salutar, purificador na liberdade política depende desse caráter essencial e deixa de ser eficaz quando a ‘liberdade’ torna-se privilégio."

A passagem, escrita há 106 anos pela comunista Rosa Luxemburgo, era uma crítica aos bolcheviques triunfantes na Rússia. Hoje, deve ser lida por Alexandre de Moraes e seus colegas do STF que violam a Constituição para impor censura prévia.

O conflito com o X originou-se de uma coleção de ordens de derrubada de perfis que, em sua maioria, permanecem sob segredo de Justiça. Para derrubá-los, Moraes presumiu crimes futuros a partir de supostos crimes passados. É uma aberração jurídica típica de regimes de força.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo - Adriano Machado - 4.set.24/Reuters

Vieram a público alguns dos perfis atingidos. As postagens abrangem tanto crimes de palavra quanto meras opiniões idiotas. Mas, nas suas justificativas, o ministro incrimina a "desinformação" e "discursos antidemocráticos". São expressões vagas que conduziriam à proibição de vasta parcela do discurso político, inclusive declarações do atual presidente sobre a Venezuela. Com amparo do STF, Moraes arroga-se a função de Censor-Geral da República.

O Censor-Geral proibiu, ainda, uma entrevista de Filipe Martins à Folha. O ex-assessor de Bolsonaro, uma nulidade intelectual formada na escolinha do professor Olavo, sofreu prisão preventiva ilegal durante seis meses, até Moraes reconhecer que inexistia prova de sua suposta viagem ao exterior. O veto à entrevista baseou-se na presunção imotivada de que ela serviria para comunicação com outros investigados.

É profecia de crime futuro por parte de um acusado –e com a conivência do jornalista entrevistador. O ministro cassa direitos de um indivíduo não condenado e, no mesmo passo, restringe a liberdade de imprensa.

O STF operou, anos atrás, como torcida uniformizada de Sergio Moro. À época, para defender-se dos (raros) críticos, acusava-os de complacência com a corrupção. Hoje, nas suas coreografadas unanimidades, o tribunal opera como cortejo de Moraes, acusando os (raros) críticos de conluio com o golpismo bolsonarista. Trata-se de retórica de regimes autoritários que justificam excepcionalidades pela especulação sobre as motivações ocultas de quem diverge, não de juízes de capa preta.

As arbitrariedades de Moraes são celebradas pelo bolsonarismo. Seus atos reabilitam o discurso cínico de extremistas fantasiados como campeões da liberdade. Tiro no pé.

Recordo de um tempo no qual os progressistas promoviam justos escândalos diante de ataques à liberdade de expressão. Isso ficou no passado: a derrubada de perfis e a proibição da entrevista provocaram um misto de surdos resmungos e franca aprovação. Nos dias que correm, intoxicados pelas guerrinhas estéreis das redes, os progressistas praticam o esporte de clamar pela limitação da liberdade "de quem pensa de modo diferente".

Precedentes têm peso. O STF que hoje exercita a censura prévia contra uns, amanhã poderá exercê-la contra outros. Antídoto: ler a lição sobre democracia ensinada por uma comunista.

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