Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu Brasil-China, 50

Dilema entre interesses e valores ditará os próximos 50 anos de Brasil-China

Enquanto Pequim serviu aos interesses do capital, a maioria dos países estava feliz em fechar os olhos ao lado feio do regime

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Brasil e China completaram na quinta-feira (15) 50 anos de relações diplomáticas. A data vem sendo lembrada por ambos os lados com fanfarra e deve culminar na visita de Xi Jinping ao Rio em novembro, quando, espera-se, o Brasil deve assinar o protocolo de adesão à Iniciativa de Cinturão e Rota.

Efemérides são sempre uma oportunidade para olhar para trás, aprender com erros, replicar acertos e se preparar para o futuro. E é bom lembrar em que contexto nos tornamos parceiros da China comunista —por iniciativa de um governo militar, seguindo a toada da reaproximação entre Pequim e o resto do mundo pós-visita de Nixon a Mao em 1972.

O presidente Lula é recebido pelo dirigente chinês, Xi Jinping, durante visita oficial a Pequim no início do mandato - Liu Weibing - 14.abr.23/Xinhua

Parece um dissenso. Anos antes, usaram a viagem de Jango à China e seu encontro com Mao como evidência de tendência comunista. Seguiram-se por aqui longos e penosos 21 anos de ditadura para combater a tal "ameaça vermelha", mas bastou uma sinalização positiva dos EUA para que mudássemos nosso reconhecimento de Taiwan para a República Popular.

E o nome para isso sabemos: pragmatismo, palavra que permeou a forma como Pequim se engajou desde então não só com o Brasil, mas com o mundo.

Também foi assim no Chile, primeiro país sul-americano a estabelecer relações com os comunistas em 1970. Embora os laços tenham sido restaurados pelo esquerdista Salvador Allende, permaneceram praticamente intactos durante os anos Pinochet. Mais que isso, o regime por lá viu nos chineses uma janela para evitar o completo isolacionismo, tendo Pequim mantido seu embaixador na capital chilena mesmo após o golpe de 1973.

Este tão celebrado pragmatismo chinês serviu bem aos interesses liberais no século passado, com indústrias inteiras ávidas para usar a mão de obra farta chinesa e vender para uma classe média urbana em franca ascensão. Em 2024, porém, virou uma pedra no sapato do Ocidente.

Como demonstrado no exemplo do Chile, do próprio Brasil e de dezenas de outros países mundo afora, a China pragmática não se importa com as cores do partido no poder, mas sim com fazer negócios e preservar seus interesses. Importa-se mais com a estabilidade do que com a proteção de valores emergentes pós-Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria, como direitos humanos, democracia e liberdades individuais.

Aí talvez resida nosso maior desafio nas próximas décadas. Enquanto Pequim serviu aos interesses do capital e do Norte Global, a maioria dos países estava feliz em fechar os olhos para o lado feio do regime chinês. Agora, conforme a China cresce e ameaça a liderança de quem se acostumou a dar as cartas mundo afora, isso mudou.

Pragmatismo virou sinônimo de indiferença. Não intervenção passou a ser vista como anuência. Valores importam cada vez mais, não só nas mesas de negociação, mas na cabeça dos eleitores.

O chanceler chinês, Wang Yi, escreveu na Folha esta semana que, aos 50 anos, um homem já sabe qual é seu "mandato dos céus", um conceito bastante particular que talvez possa ser melhor traduzido para o brasileiro como "destino". Tenho dúvidas.

Nas últimas décadas, acostumamo-nos a ver a China como o paraíso do dinheiro infinito, dos investimentos sem fim, mas pouco disso se converteu em verdadeiro conhecimento mútuo.

Ainda reside na cabeça do brasileiro médio duas Chinas: há os que acham que o país ainda vive sob o regime maoísta e os que a tratam como uma distopia tecnológica. É muito difícil analisar seriamente o relacionamento com o país quando visões tão excludentes permeiam a sinologia e o imaginário nacional.

Conforme o mundo caminha para uma política global mais ideológica (e hipócrita), nossos diplomatas serão confrontados pela difícil escolha entre interesses nacionais e valores inegociáveis. O resultado deste dilema é, tudo indica, o que dará a tônica dos próximos 50 anos.

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