Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Igor Gielow

Entre apocalípticos e integrados, transição do governo Temer está em curso

Ideia de votar Previdência e costuras pós-eleição serão termômetro de baderna institucional

Enquanto os estratos nominalmente politizados da população se engalfinham num alarido apocalíptico acerca do resultado das eleições presidenciais, o mundo real da política já trata de fazer contas e de precificar riscos.

Os candidatos líderes nas pesquisas eleitorais, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT)
Os candidatos líderes nas pesquisas eleitorais, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) - Adriano Machado - 4.set.2018 - Rodolfo Buhrer - 24.set.2018/Reuters

A transição do governo Temer, por exemplo, já está em curso. A qualidade dos acertos do grupo ora no poder com quem quer que seja o vencedor do pleito será termômetro de estabilidade política muito mais eficaz do que qualquer “hashtag” histérica.

A histeria, como se sabe desde 2013, será elemento permanente. Mas, a despeito da pouco convincente conversão de Jair Bolsonaro a preceitos democráticos e humanistas e do legado miserável do PT na economia e nas boas práticas republicanas, ficando aqui com os líderes nas pesquisas, nada indica que um golpe de Estado estará à porta do próximo presidente.

Quem estará lá, na verdade, será o centrão, o MDB. Genis desta eleição, esses grupos políticos podem até disfarçar um pouco de recato, mas, como a proverbial personagem citada, estarão dispostos a perdoar tudo em nome do bem maior (alerta de ironia necessário).

Claro, algo pode enguiçar no caminho, dando lugar a ideias heterodoxas. O Brasil é pródigo nisso, e não é de hoje. Boa parte da modorra democrática em que vive pode ser debitada dos sucessivos voos de galinha institucionais pelos quais passou em sua história.

Voltando ao momento atual, Temer, monstro corrupto para bolsonaristas ou golpista para petistas, deu a senha ao dizer que levantaria a impopular intervenção federal na segurança do Rio para tentar aprovar a reforma da Previdência no interregno entre o fim do pleito e a posse do novo governo.

Não se deve levar muito a sério, nem é parolagem nova, como esta Folha reportou no começo do ano. A argumentação é a mesma: com congressistas já reeleitos ou sem perspectiva de mandato, maldades ficam mais simples de serem feitas. Para Temer, em troca, boa vontade política para seu futuro no exílio do foro privilegiado.

A questão central é a disposição do eleito de envolver-se nesse processo. Sem isso, nada feito. Considerando a retórica da dupla à frente na disputa, terá de haver considerável gasto de saliva para dissociar-se da movimentação e ao mesmo tempo auferir a vantagem óbvia de começar o governo com o principal serviço sujo feito.

Claro, você pode ser Fernando Haddad e desconsiderar em público a necessidade de reforma. Ou encarnar Jair Bolsonaro e dizer que fará tudo sem acordos políticos, sob algum chicote ou gambiarra se  preciso. Em privado, ambos sabem (ou deveriam saber) que a vida não é assim. A alternativa é contar unicórnio no pasto ou sonhar com a tal heterodoxia enquanto o barco da realidade chacoalha violentamente.

Na hoje remota hipótese de Geraldo Alckmin chegar lá, considerando um milagre de resto mais exequível do que o esperado por Ciro Gomes, por óbvio o movimento seria menos penoso do ponto de vista de discurso. Como nos casos acima, aqui também fica a dúvida sobre como se comportará a massa de eleitorado que se verá derrotada inevitavelmente em outubro.

O resto é política, o campo dos integrados —em oposição aos apocalípticos, desculpas aqui a Umberto Eco. Tem gente do governo Temer conversando abertamente sobre o futuro com o time de Bolsonaro, metade do MDB fazendo planos para o governo Haddad, candidatos a governador sorrindo às bandeiras do adversário do presidenciável do seu partido. Vida que segue, por ora.​

O presidente Michel Temer (MDB) durante sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas
O presidente Michel Temer (MDB) durante sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas - Li Muzi/Xinhua

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