Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Petismo de Oscar e mercado governista são faces da mesma moeda

Problema do Brasil hoje é a pobreza das construções mentais das tribos extremas

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A renovada e tediosa polêmica sobre o documentário “Democracia em Vertigem”, a peça de propaganda petista ora indicada ao Oscar, é reveladora da pobreza intelectual que permeia o debate público brasileiro.

A diretora Petra Costa durante a filmagem do documentário "Democracia em Vertigem"
A diretora Petra Costa durante a filmagem do documentário "Democracia em Vertigem" - Divulgação

Há manipulações evidentes de narrativa para que o espectador incauto acredite que o Brasil viveu um golpe de Estado em 2016, e não um conturbado processo de impeachment de uma governante inepta.

A despeito disso, de uma série de mistificações e da inacreditável desculpa stalinista da diretora para adulterar a foto de um ídolo morto no filme, a obra é ao fim a mera apresentação de uma leitura torta da realidade. Petra Costa não é nenhum Peter Cohen, afinal, e não há requisito obrigatório de imparcialidade ao fazer documentários.

Chega a ser curioso ver o elenco de vilões que acossou a pobre Dilma no filme narrado em ritmo de choradeira pela própria autora: as famosas elites, o “interesses estrangeiros” (o velho Brizola sempre presente) e, claro, a imprensa.

Nesse particular, é tocante que a esquerda hoje se diga preocupada com o assalto do bolsonarismo à liberdade de expressão e à mídia: nos mui democráticos e róseos tempos dela no governo, o jornalismo profissional era resumido pela sigla PIG, o Partido da Imprensa Golpista.

Problema maior reside na apresentação dessa visão a um público externo desinformado, mas até aí azar da direita, cujo panfleto à disposição não tem o mesmo apuro técnico, qualidade pontuais e o apoio midiático à disposição de “Democracia”.

De resto, para a audiência local, tanto faz. A polarização já capturou e digeriu essa discussão, deixando o veredicto majoritário à direita para os cinéfilos da estirpe Jair Bolsonaro (“não vi e não gostei”, em termos mais pedestres).

O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante palestra em seminário sobre Previdência
O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante palestra em seminário sobre Previdência - José Cruz - 22.mai.2019/Agência Brasil

Já na esquerda mais militante, fica confirmada pela enésima vez a distância entre ela e o bolsonarismo: a mesma que separa a cara e a coroa de uma moeda.

Aqui, é possível traçar um paralelo curioso entre esses lulistas do Oscar e o mercado financeiro, uma das franjas mais entusiasmadas do bolsonarismo.

Enquanto o pessoal do “não vai ter golpe” até hoje sobrepõe seu fetiche político à realidade econômica legada pelo PT, a galera da Faria Lima vai na linha contrária, justificando todo e qualquer absurdo do governo pela crença no totem Paulo Guedes.

Não adianta argumentar que há problemas de gargalos tributários a emperrar a produção industrial, ou lembrar que a grande agenda aprovada até aqui nem é tão grande e só existiu devido a outro item de culto, Rodrigo Maia.

Ou então lembrar que esse apoio congressual vai ser suspenso no segundo semestre por motivos de eleição municipal e que, se não houver qualquer recuperação que seja no quesito emprego, talvez não volte em 2021.

Isso para ficar na seara econômica. Toda a agenda retrógrada de costumes e os tremeliques autoritários do presidente são tolerados, quando não aprovados com gosto.

Assim, será interessante acompanhar as reações do tal mercado durante o festival anual dos poderosos no qual ele se sente representado, o Fórum Econômico Mundial, que começa na semana que vem em Davos (Suíça).

O tema “Como salvar o planeta” é o segundo mais frequente na lista de sessões do fórum, com 24 eventos, ante 30 do genérico “Além da Geopolítica”. Se o pífio discurso do presidente brasileiro era atração no ano passado, neste 2020 a histriônica ativista sueca Greta Thunberg ganha os holofotes. Vai bem, o mundo (alerta de ironia, por favor).

Com sua política ambiental tacanha, marcada pelo combate à ciência, o herói da Faria Lima achou por bem fugir da raia e não aparecer nas montanhas de Thomas Mann.

É direito dele, claro, mas o modelo bolsonarista de presidente, Donald Trump, um negacionista da mudança climática como a cópia pirata brasileira, lá estará.

Os mercadistas fingem não ver que a má imagem brasileira no quesito ambiente é um limitador na hora de atrair investimentos, o que importa é que vamos chegar aos 120 mil pontos etc. Responsabilidade ambiental, por hipócrita que seja na maioria das vezes, está no topo das preocupações de fundos e empresas, particularmente europeias.

Como recentes expurgos nas fileiras do Condado evidenciam, que atenta para isso vai para o limbo. Igualzinho ao que acontece na bolha fantasiosa em que “Democracia” é um retrato fiel da realidade.

Vertiginosa mesmo é a construção mental operada por essas tribos.

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