Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Witzel põe a própria cabecinha sob fogo na disputa com Bolsonaro

Governador do Rio, que joga na mesma frequência do presidente na segurança, vai ao ataque

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“A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo!”.

Witzel comemora morte de sequestrador de ônibus na ponte Rio-Niterói, em incidente de agosto
Witzel comemora morte de sequestrador de ônibus na ponte Rio-Niterói, em incidente de agosto - Antonio Lacerda - 20.ago.2019/Efe

A pérola de política de segurança foi anunciada após a eleição de 2018, quando o desconhecido Wilson Witzel saiu de um dígito nas pesquisas anteriores ao primeiro turno para uma vitória esmagadora no segundo, abocanhando o Palácio Guanabara.

Dita numa entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a frase resumia o programa do ex-juiz para o problemático setor. Passado pouco mais de um ano, o agora governador Witzel (PSC) resolveu ele mesmo colocar a cabecinha para fora na sua pretensão de ser um presidenciável viável em 2022. Vai vir fogo, metaforicamente.

Em conversa com jornalistas nesta terça (17), ele subiu um degrau em sua disputa particular com presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o chamando de autoritário e fazendo comparações com líderes como o caudilho Hugo Chávez.

A comparação é uma provocação precisa na forma, já que o venezuelano foi um prócer da esquerda continental e é uma besta-fera para o bolsonarismo, e no conteúdo —troque o sinal político e se verá muito do método chavista na operação de destruição e ocupação institucional proposta pelo projeto do presidente.

Não é de hoje a rixa entre Bolsonaro e Witzel. Assim como o paulista João Doria (PSDB), o fluminense foi eleito na cola do voto que pôs um lateral e obscurantista deputado pelo Rio no Planalto: antipolítico, lava-jatista, conservador nos costumes e, para ficar no tema central desta coluna, duro no enfrentamento do crime.

Primeiro, Witzel deixou claro que quer ser presidente, para a incredulidade de todos que não o viram ascender no próprio quintal. Segundo, o racha se deu formalmente em setembro, quando o PSL então de Bolsonaro rompeu o apoio ao governo do ex-juiz.

No meio-tempo, o governador buscou lustrar seu discurso com sangue. A polícia fluminense mata muito: 1.402 pessoas de janeiro a setembro, uma média três vezes maior do que em 2015. Casos como o da menina Ágatha deram rosto para os excessos que ocorrem nas quebradas do Rio.

O número salta aos olhos quando comparado com o total de homicídios no estado no mesmo período, 3.052. Se o critério for proporcionalidade, a PM paulista matou nesse intervalo 506 pessoas, num universo de 45 milhões de habitantes; o Rio tem 16 milhões.

A questão é que, embora não seja possível fazer a associação direta, houve redução de 21% no número de homicídios, de resto uma tendência nacional. Do ponto de vista de discurso político, parece ser o suficiente.

O Datafolha apontou uma expressiva queda na rejeição à política de segurança fluminense de março de 2018 para cá: de 85% para ainda astronômicos 55%. A aprovação deu um salto proporcional, de 2% para 15%. Se isso não indica sucesso, de marketing que seja, não sei o que é.

O que, obviamente, escamoteia a ruína governada por Witzel. Não há notícia de iniciativa estadual bem-sucedida, a famosa “marca”, além da tecla da segurança.

Má notícia não falta. No segundo quadrimestre a relação entre dívida e receita líquidas do estado bateu astronômicos 283%, ultrapassando de longe as duas vezes de proporção permitida pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mesmo o caos no sistema de saúde da prefeitura da capital é problema dela, mas tudo no Rio confunde instâncias de poder —inclusive o fato de que Bolsonaro pôde anunciar uma ajuda pontual de R$ 150 milhões, ante as mãos fiscais amarradas de Witzel.

Na falta de algo melhor a mostrar, Witzel passou o ano promovendo sua face “caveira” explícita, celebrando a morte de um sequestrador corretamente abatido pela polícia como se fosse um gol do Flamengo, acompanhando atiradores dentro de um helicóptero.

Nesse campo, ele fala a língua de Bolsonaro. Presidente manda nada ou pouco em política de segurança no Brasil, bizarramente desconexa sob seu pretexto constitucional de descentralização federativa. Mas nenhum titular do Planalto falou tanto sobre o assunto, e levou a retórica a cabo ao propor o famoso excludente de ilicitude no pacote anticrime que enviou ao Congresso.

O Congresso limou o absurdo do texto, num daqueles “momentos freios e contrapesos” que desautorizam a histeria dos que só veem obscuridade no obviamente obscuro cenário político nacional.

Como no presidencialismo brasileiro até o preço do fósforo cai na conta do chefe, a associação que Witzel tenta puxar para si ganhar tons de competição.

Doria também entraria no concurso, dado que apresenta vistosos números de queda de criminalidade, ainda que tisnados por episódios como a morte dos jovens de Paraisópolis. Mas o tucano é obrigado, até por um contexto de diferenciação, a se mostrar menos sedento de sangue do que seus hoje rivais para 2022. É difícil.

Um teste do embate entre Witzel e Bolsonaro pode ser a eleição carioca de 2020, dado que o Rio é uma cidade-estado. Mas aqui o jogo está embolado, com diversas camadas de identificação se sobrepondo nos eleitorados do prefeito Marcelo Crivella, o ex-prefeito Eduardo Paes e sabe-se lá quem mais surgir no mesmo campo.

Por fim, Witzel tem sob suas asas uma herança involuntária de valor político incalculável: as investigações que correm sobre o envolvimento do clã Bolsonaro com milícias e as apurações da morte da vereadora Marielle Franco.

O episódio do vazamento de um depoimento falso de um porteiro tentando ligar as duas coisas borrou fronteiras e deu munição para que Bolsonaro acusasse diretamente o governador de operar a polícia contra si.

Já no caso das milícias, os indícios ligando essa modalidade século 21 de Esquadrão da Morte ao hoje senador Flávio e, em medida ainda inaudita, ao vereador Carlos, são nitroglicerina pura. São filhos do presidente, afinal, num regime altamente fechado de poder em que a família vem em primeiro lugar.

Não dá para saber ainda a extensão real da coisa, mas só o que se ventila entre atores sérios do processo já sugere a dor de cabeça que Bolsonaro não cansa de exibir publicamente, quando passa recibos dizendo ser alvo de uma conspiração de Witzel.

Quem perde é a verdade: qualquer coisa que as investigações mostrem, para um lado ou para outro, será lido como manipulação, fake news e outros bichos.

Cabecinhas, uma designação de resto bastante adequada à nossa representação política, continuarão enquanto isso à mostra por todo lado no agitado mar do mercado político no ano que entra.

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