“Não Vai Ter Golpe” não é um grande documentário. Com 2h14min e muita repetição, serve mais a seus criadores que aos espectadores. É o filme em que o Movimento Brasil Livre (MBL) difunde sua narrativa, não exatamente um filme emocionante, bem editado ou gostoso de assistir.
Ainda assim, é bom ver nas telas a versão do MBL sobre o impeachment de Dilma Rousseff. A história da política recente do Brasil está tão poluída de desinformação e disputa de versões que essa não poderia ficar de fora. É um contraponto necessário —o filme está disponível para o público nas plataformas Net Now, Vivo Play, Google Play e iTunes.
Em certa medida, “Não Vai Ter Golpe” é o oposto de “Democracia em Vertigem”. O documentário de Petra Costa (a “Leni Riefenstahl do PT”, como diz um amigo) esbanja talento e desonestidade intelectual, como uma joia da propaganda política. Já o do MBL passa longe de alguma pretensão artística, é mais espontâneo e brincalhão, e conta sua história com alguma franqueza.
Quer dizer. O documentário deixa de fora as mancadas do movimento —mesmo porque boa parte delas aconteceu depois do impeachment.
É o caso da palhaçada que foi a perseguição a exposições de arte com pornografia, a relação com sites de fake news (com aquela clássica notícia “Nazista que atropelou em Charlottesville era do PT americano") e o fato de os candidatos do movimento terem surfado na onda bolsonarista nas últimas eleições.
Confesso ao leitor que em dois ou três momentos tive vontade de dar um “forward”. O excesso de detalhes e a repetição de declarações adulatórias torram a paciência. O filme ficaria bem mais divertido com metade do tamanho e se entrasse de cabeça no formato de “road movie”, investindo na história dos moleques quase famosos que em ritmo de festa derrubaram uma presidente.
Afinal, por mais que a esquerda e os outros tantos movimentos liberais, conservadores ou antipetistas esperneiem, os garotos do MBL protagonizaram, sim, uma grande história.
De empreendedores fracassados, youtubers de adolescentes, funqueiros e parceiros de videoclipes e bandas, eles se tornaram figuras relevantes na política brasileira. É uma delícia ver Kim Kataguiri, poucos anos atrás um menino tímido que não sabia muito bem segurar o microfone, se transformar um político sensato e articulado.
E ainda que os integrantes do MBL exagerem um bocado na tentativa de se estabelecerem como protagonistas do impeachment e fundadores de um Brasil liberal, a importância do movimento é inegável. Tiveram perseverança e paciência para, nos primeiros protestos, se distanciar dos grupos que pediam intervenção militar.
Fizeram a imprensa —até então satisfeita em retratar antipetistas como grã-finas e playboys apreciadores de coxinha de ossobuco— enfim aceitar a existência de uma direita jovem e descolada. E coordenaram uma pressão popular fundamental para que o impeachment se tornasse uma ideia aceitável entre os políticos.
Numa das melhores cenas do documentário, grupelhos de sem-teto abordam o acampamento do MBL na Esplanada dos Ministérios. Disparam chutes e socos e depois colocam mulheres e crianças para ganhar destaque nas fotos da imprensa.
A cena reflete o conflito que o Brasil viveu naquele momento: de um lado, jovens de classe média que só pediam alguma ética na política e racionalidade econômica; do outro, manifestantes bem na linha chavista, provavelmente pagos por políticos do governo para protestar.
É curioso que os planos do MBL de lançar um filme e um livro antecedem o próprio desfecho da história. Seus líderes pensavam nisso desde os primeiros protestos de 2015. Estavam cientes da importância da narrativa e de seus componentes –um mito fundador, uma epopeia, uma marca. Fenômeno estranho, o documentário retrata ações pensadas para algum dia comporem um documentário.
Às vezes isso beirou o ridículo, como a ideia estabanada (coisa de Greta Thunberg, a santa ativista do clima) de ir andando até Brasília entregar o pedido de impeachment ao presidente da Câmara. Deu errado: a imprensa e as redes sociais ignoraram a jornada e deram muito mais atenção à foto do grupo sorrindo ao lado de Eduardo Cunha.
De qualquer forma, o material para um grande filme está todo lá —só faltou um editor com menos apego ou preocupações institucionais.
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