Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

Ode à democracia

Vivemos tempos estranhos, em que precisamos reafirmar o óbvio

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Não podemos dizer que 2019 só começou após o Carnaval. A sequência de crises provocadas pela escalada de "não fatos" nas últimas semanas em Brasília, incluindo o episódio de minha nomeação --e exoneração-- ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, gerou perplexidade e confusão. As crises foram originadas ou amplificadas pela máquina de fake news e linchamentos virtuais, parte da receita das tentativas de enfraquecimento das democracias. Por aqui e mundo afora.

Estejamos atentos. O retrocesso democrático começa de forma quase imperceptível. Steven Levitsky e Daniel Ziblatt explicam, em "Como as Democracias Morrem", que as democracias falham quando radicais assumem o poder, subvertem as instituições democráticas e intimidam vozes divergentes e a mídia. Democracias morrem sem tolerância mútua, sem liberdade de expressão e uma imprensa livre, e sem que partidos aceitem uns aos outros como oponentes legítimos e não inimigos.

Vivemos tempos estranhos, em que precisamos reafirmar o óbvio. Não duvidemos da importância de defender a cada dia valores democráticos fundamentais: liberdade, igualdade e pluralidade. Está mais clara do que nunca a importância de fortalecer instituições e equilibrar os Três Poderes da República, que devem estar sempre a serviço do Estado Democrático de Direito, e não o contrário.

E, acima de tudo, precisamos proteger a verdade --pilar da democracia liberal. Como diz Timothy Snyder no livro "Sobre a Tirania": "Acredite na verdade: abandonar os fatos é abandonar a liberdade. Se nada é verdade, então ninguém pode criticar o poder, porque não há base sobre a qual fazê-lo. Se nada é verdade, então tudo é espetáculo". Se perdermos a capacidade de distinguir fatos de imposturas, e se nossas instituições não responderem à disseminação de notícias falsas e à propaganda extremista, nossa democracia estará condenada.

Somos todos responsáveis pela salvaguarda e pelo fortalecimento de nossa jovem democracia. Precisamos protegê-la e aprimorá-la, o que exige de todos nós atenção e engajamento máximo. Cabe a cada um de nós rejeitar as divisões e criar mais pontes e conexões, baseadas no respeito e na dignidade. Isso inclui a criação de grupos diversos de pessoas que tenham objetivos comuns --mesmo que não concordem em tudo, a busca de consensos mínimos e a construção de parcerias entre diferentes setores para melhorar nosso país.

As novas gerações que se apresentam definirão o futuro e podem também buscar inspiração em momentos marcantes de nossa história. O movimento das Diretas Já (1983-84), a Constituinte (1987-88), e a mobilização social de Betinho nos anos 90 encorajaram a primeira geração da sociedade civil organizada no Brasil. Cada uma dessas iniciativas, a seu modo, foi bem sucedida porque celebrou a inclusão e a diversidade e, desta forma, fortaleceram a democracia. Por esse motivo eu sou otimista sobre o Brasil. Acredito que, se formos fiéis a esses valores, podemos gerar a transformação que queremos.

Democracias pujantes não são construídas e sustentadas por salvadores da pátria. Decisões democráticas não podem ser determinadas por tuítes. A construção de democracias resilientes e abrangentes é fruto do esforço incremental de milhões de pessoas. As mudanças positivas já começam a ser realizadas por grupos plurais de cidadãos que estão se unindo com o propósito de defender o interesse público. Se você ainda não faz parte de nenhum desses grupos, conecte-se. A escolha é sua.

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