Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

Democracia ou mais mortes

Presidente negligencia interesse público e inflama base de apoio mais radical

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Chegou a hora de enfrentar a crise política que consome o Brasil. É muito grave que, em meio ao maior desafio da nossa geração —a pandemia da Covid-19— haja uma elevação da instabilidade política provocada pelo centro do poder. Em um momento tão crítico, todo esforço deveria estar em salvar vidas, amparar familiares das milhares de vítimas, assistir os grupos mais vulneráveis atingidos pela crise sanitária e econômica, e apoiar os profissionais que estão na linha de frente.

Mas, infelizmente, não contamos com um líder nacional. O atual presidente tem optado por negligenciar o interesse público e por inflamar cada vez mais sua base de apoio mais radical contra inimigos imaginários. Recentemente, o embate com prefeitos e governadores —que deveriam ser apoiados pelo presidente— e a demissão de um ministro da Saúde já anunciavam a dimensão da tragédia evitável que estava por vir. A saída de Sergio Moro levou ao ponto de inflexão.

Jair Bolsonaro tem optado por negligenciar o interesse público - Ueslei Marcelino/Reuters

O país precisa sair do impasse político em que se encontra. As acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça de interferência política do presidente na Polícia Federal exigem ação imediata —sob o risco de acordarmos em um governo autoritário ao fim da pandemia. Portanto, investigações independentes sobre os possíveis crimes de responsabilidade, eleitorais e comuns que podem ter sido cometidos por Jair Bolsonaro, e pelo menos dois dos seus filhos, precisam avançar em todas as instâncias apropriadas com agilidade e responsabilidade.

O decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, deu importante passo ao autorizar a abertura de um inquérito para investigar as acusações feitas por Sergio Moro contra o presidente. A sociedade precisa acompanhar os procedimentos e exigir que as investigações não sejam atrapalhadas em fases futuras por interesses político-eleitorais, ou ainda pior, por fisiologismo e corrupção. O interesse público precisa de uma vez por todas ser colocado no centro da agenda política nacional.

Por certo, o Brasil poderia ter evitado vislumbrar uma vez mais em sua curta história o possível afastamento de um presidente eleito democraticamente. Jair Bolsonaro nunca escondeu suas ideias autoritárias e expôs com clareza as propostas e ações fatais que seriam prioritárias caso eleito fosse. Desde o início de seu governo, brasileiros assistem ao desmantelamento sistemático de leis, políticas públicas, normas de fiscalização e instituições em diversas áreas de vida ou morte.

Algumas dessas irresponsáveis ações geram mortes imediatas, como é o caso do descontrole de armas —em que o mandatário age contrariando até mesmo os generais—, as regras de proteção no trânsito e a devastação ambiental que dizima povos indígenas e a floresta. Outras, como as absurdas decisões na educação e nos direitos humanos, por exemplo, podem até matar mais lentamente, mas matam, mesmo que seja o direito a um futuro melhor. Nesse contexto, as ações desastrosas do presidente durante a pandemia elevam os altíssimos riscos já existentes —seja de empilhar um número ainda maior de corpos ou de viver uma transição para uma autocracia.

Para superar os traumas coletivos, curar uma população adoecida por um ódio tóxico e unir o país, será necessária a condução de uma profunda reflexão que retome a verdade dos fatos e promova a reconciliação. Por ora, é preciso aceitar que não há instabilidade maior do que a que estamos vivendo e que será agravada pela piora da crise econômica. A hipótese de que um possível afastamento do presidente trará mais instabilidade não mais se sustenta.

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