Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

A violência política é amiga das armas e inimiga da democracia

Que fique claro: o governo é corresponsável pela violência que prega

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Até a conclusão do processo eleitoral deste ano, temos a difícil missão de evitar o desvio definitivo da rota democrática. Ao observar a trágica sucessão de fatos das últimas semanas, que culminou no assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda durante sua festa de aniversário, no sábado passado em Foz do Iguaçu, fica evidente que os prognósticos mais sombrios estão se confirmando: intolerância, hostilidade e violência corroem nossa capacidade de aceitar as diferenças que caracterizam uma sociedade livre, diversa e plural.

Marcelo Arruda escolheu o PT como tema de sua festa de 50 anos. Sua escolha provocou o ódio em seu algoz que, segundo relatos, invadiu o local gritando o nome de Jair Bolsonaro e "mito". Poucos dias antes, um explosivo caseiro foi atirado durante comício do ex-presidente e pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva na Cinelândia, Centro do Rio. No mesmo dia, o carro do juiz que determinou a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro foi atacado com barro, ovos e fezes de animais.

Enterro do guarda municipal e tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu (PR), Marcelo Arruda
Enterro do guarda municipal e tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu (PR), Marcelo Arruda; o clima de intolerância é agravado por um governo que incita o ódio - Paulo Lisboa - 11.jul.22/Folhapress

O clima de intolerância é agravado por um governo que incita o ódio, divide a população, converte adversários políticos em inimigos, e adota o caos e a instabilidade como método de gestão. Com seu conceito niilista de liberdade, prega o vale-tudo. Ao nomear os opositores, os quais trata como inimigos, não só faz com que virem alvo, mas também incita aliados e seguidores a agredi-los, na retórica e na prática. Que fique claro: o governo é corresponsável pela violência que prega.

Simultaneamente aos sucessivos ataques que faz à legitimidade do processo eleitoral, o governo trabalha para armar sua base. A liberação sem controle das armas e munições, e a insegurança jurídica em torno do porte velado dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) são perigosos combustíveis para a violência política.

Ambas medidas são uma bomba relógio que põe em risco um dos eixos mais importantes da legislação em vigor desde 2003: a proibição do porte de arma de fogo, salvo casos excepcionais. Além da insegurança da regulação federal que permite o porte de trânsito dessas categorias, legislações estaduais desafiam a competência da Polícia Federal para facilitar a permissão para que os mais de 600 mil CACs registrados no país possam transitar armados.

O incentivo ao armamento da população se traduz também no aumento do número de lojas de armas e clubes de tiro no país. De acordo com o Instituto Igarapé, são 90 novas lojas de armas e clubes de tiro por mês. Entre junho de 2020 e março de 2022, passamos de 1.092 para 2.070 o número de clubes de tiro, e entre dezembro de 2019 e maio deste ano, o número de lojas de armas saltou de 1.657 para 2.848.

O mais grave é que esse crescimento não é acompanhado do aumento proporcional da fiscalização. Em 2020, segundo dados fornecidos pelo próprio Exército, só 2,3% dos arsenais das lojas de armas, clubes de tiro e dos CACs foram fiscalizados. O desequilíbrio entre, por um lado, a facilitação do acesso a ​armas e munições, e, por outro, o enfraquecimento das capacidades institucionais de fiscalização e o baixo controle dos arsenais, facilita sobremaneira os desvios para facções criminosas.

Um dos grandes desafios dos próximos meses é deslegitimar a violência. Uma sociedade resiliente à violência política respeita posicionamentos políticos diferentes, sem demonizá-los. Como afirmou o relator especial da ONU sobre a liberdade de reunião e de associação, Clément Nyaletsossi Voule: "Quando a participação política de qualquer pessoa coloca sua vida em risco é porque estão matando a democracia".

Não podemos aceitar o vale-tudo na política ou nos espaços de convivência social. É hora de defender a combalida democracia —e a essa tarefa estão convocadas todas as lideranças cívicas, políticas e cidadãos que nela acreditam.

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