Itamar Vieira Junior

Geógrafo e escritor, autor de "Torto Arado"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Itamar Vieira Junior
Descrição de chapéu Livros

Agualusa e Lygia Maria defendem direito a ofensas

Em nome de defender a crítica, escritor e colunista endossam ataques contra uma pessoa de cor

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tinha prometido a mim mesmo não voltar ao tema, mas o episódio que me envolve à crítica Ligia Gonçalves Diniz já se tornou um verdadeiro estudo de caso.

Em abril deste ano, a revista Quatro Cinco Um publicou uma resenha assinada por Ligia desfavorável ao romance "Salvar o Fogo". Ponto. Nenhum comentário meu por várias semanas.

Cerca de 20 dias depois, ela foi ao Twitter me acusar de tê-la bloqueado nas redes sociais. Detalhe: eu não uso ou tenho conta no Twitter. Nos tuítes, ela me classificou como "sujeito" (para me inferiorizar em relação a ela e aos seus) e escreveu que o ato era "vaidade" da minha parte. Em resposta a um usuário, ela também me acusa de "arrogância" e "preguiça mental".

Ilustração de Aline Bispo para a capa do livro "Salvar o Fogo", do Itamar Vieira Junior - Reprodução

Uma pergunta: é normal uma crítica proferir ofensas a um autor no Twitter? Alguém já imaginou Antonio Candido ou Beatriz Resende xingando um escritor em público? Essas palavras têm o mesmo peso para todas pessoas que compõem a grande diversidade étnica e cultural do país? Para corpos historicamente subalternizados?

Pois é, Ligia Gonçalves proferiu ofensas que me tornaram alvo de mensagens de ódio nas redes sociais. Dias depois, publiquei um texto nesta Folha citando de maneira indireta aquela violência, porque esse episódio me recordou um mais antigo, quando um professor branco tentou me humilhar publicamente dizendo que eu tinha os dois pés na senzala, e só vim a entender o significado daquilo muito depois.

Reagi aos tuítes da crítica, e não ao seu texto, que lança dúvidas sobre a capacidade de pessoas negras e mestiças representadas no romance articularem pensamentos mais elaborados, ou ainda que a abordagem das relações sociais e raciais inevitavelmente resvala para o maniqueísmo.

A crítica publicada não seria suficiente para uma reação ou resposta minha. Os livros se defendem sozinhos. Leitores e críticos contribuirão para o posicionamento de cada um na história da literatura. Já com a dignidade humana não ocorre o mesmo, e por isso precisei me posicionar. Se meus antepassados não se insurgissem contra a escravidão, ela ainda estaria normalizada.

Quando a crítica passou a proferir ofensas no Twitter, procurei o editor da revista para relatar o ocorrido. Fui ignorado. Decidi então escrever sobre as ofensas, porque, no Brasil, se chamam pessoas negras de "arrogantes" e pessoas brancas de "assertivas". Pessoas brancas não são "sujeitos", são "escritores". A colunista Lygia Maria finge não saber que até a nossa língua e os nossos adjetivos são racializados. Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus e tantos outros sofreram o mesmo.

Os textos de José Eduardo Agualusa e de Lygia Maria me fizeram refletir sobre o pacto da branquitude: sob o falso argumento de defender a crítica, defendem, no fundo, o direito de uma pessoa branca ofender uma pessoa de cor no Twitter.

E este texto mais uma vez, repito, não é uma defesa do meu trabalho, porque não me interessa refutar o que é escrito sobre ele. Este texto é a defesa da minha dignidade humana, esta sim, ameaçada. Quero ter o direito de não ser ofendido com adjetivos em público, como qualquer autor branco tem esse direito. Esse episódio me fez compreender que, se eu não me defender, dificilmente alguém o fará.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.