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Robert Smithson

Terra e mente se desintegram na arte, escreveu Smithson

Robert Smithson discorre sobre desdobramentos sensíveis da land art

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Robert Smithson

Robert Smithson (1938-1973) foi um artista norte-americano conhecido por sua contribuição à Land Art. Suas obras exploram a relação entre natureza e cultura, tempo e a fragilidade humana. Também escreveu sobre arte e teoria, deixando um legado duradouro na arte contemporânea.

[RESUMO] Neste trecho de texto originalmente publicado na revista Artforum em setembro de 1968, o americano Robert Smithson (1938-1973) apresenta considerações sobre sua arte e as relações entre criações humanas, processos naturais de erosão e construções nas cidades. A íntegra está disponível no livro "Robert Smithson: Artforum 1966-73", tradução de seus escritos lançada agora no Brasil.

A superfície da terra e as invenções da mente têm uma maneira de se desintegrar em regiões discretas da arte. Vários agentes, tanto fictícios quanto reais, de alguma forma trocam de lugar uns com os outros —não se pode evitar o pensamento lamacento quando se trata de terra-projetos, ou o que chamarei de "geologia abstrata".

A mente das pessoas e a terra estão em constante estado de erosão, rios mentais desgastam bancos abstratos, ondas cerebrais minam penhascos de pensamento, ideias se decompõem em pedras de desconhecimento e cristalizações conceituais se partem em depósitos de razão arenosa. Vastas faculdades móveis ocorrem nesse miasma geológico e movem-se da maneira mais física. Esse movimento parece imóvel, mas esmaga a paisagem da lógica sob devaneios glaciais. Esse fluxo lento torna as pessoas conscientes da turvação do pensamento.

"Nono Deslocamento de Espelho no Iucatã" (1969), impressão cromogênica a partir de slide cromogênico, obra de Robert Smithson
"Nono Deslocamento de Espelho no Iucatã" (1969), impressão cromogênica a partir de slide cromogênico, obra de Robert Smithson - Coleção Solomon R. Guggenheim Museum. © Holt/Smithson Foundation / Licenciado por Artists Rights Society, Nova York

Deslizamentos, fluxos de detritos, avalanches, tudo tem lugar dentro dos limites fissurados do cérebro. O corpo inteiro é puxado para o sedimento cerebral, onde partículas e fragmentos se fazem conhecidos como consciência sólida. Um mundo alvejado e fragmentado envolve o artista. Organizar esse caos de corrosão em padrões, grades e subdivisões é um processo estético que mal foi tocado.

As manifestações da tecnologia são por vezes menos "extensões" do homem (o antropomorfismo de Marshall McLuhan) do que agregados de elementos. Mesmo as ferramentas e máquinas mais avançadas são feitas de matéria bruta da terra. As ferramentas tecnológicas altamente refinadas de hoje não são muito diferentes a esse respeito daquelas do homem das cavernas.

Robert Smithson recolhendo pedras de ardósia em Bangor
Robert Smithson recolhendo pedras de ardósia em Bangor, nos EUA, em 1968 - Nancy Holt© Holt/Smithson Foundation / Licensed by Artists Rights Society, New York

A maioria dos melhores artistas prefere processos que não foram idealizados ou diferenciados em significados "objetivos". Pás comuns, dispositivos de escavação de aparência esquisita, o que Michael Heizer chama de "ferramentas idiotas", picaretas, forcados, a máquina usada por empreiteiros suburbanos, tratores terríveis que têm o desajeito de dinossauros blindados e arados que simplesmente empurram a poeira ao redor.

Máquinas como o trator a vapor de Benjamin Holt (inventado em 1885): "Ele rasteja sobre a lama como uma lagarta". Máquinas de escavação e outros rastejadores que podem viajar por terrenos acidentados e gradientes íngremes. Brocas e explosivos que podem produzir túneis e terremotos. Trincheiras geométricas poderiam ser cavadas com a ajuda do "estripador" —ancinhos dentados de aço montados em tratores.

Com esses equipamentos, a construção assume a aparência de destruição; talvez seja por isso que certos arquitetos odeiam tratores de esteira e escavadeiras a vapor. Eles parecem transformar o terreno em cidades inacabadas de destroços organizados.

Um senso de planejamento caótico engolfa sítio após sítio. Subdivisões são feitas —mas com que propósito? A construção assume uma selvageria singular à medida que as pás-carregadeiras recolhem e arrastam o solo por todo o lugar.

As escavações formam amontoados disformes de detritos, deslizamentos em miniatura de pó, lama, areia e cascalho. Os caminhões basculantes derramam o solo em uma infinidade de montes. A concha da escavadeira gigante de mineração tem 25 pés de altura e cava 140 jardas cúbicas (250 toneladas) em uma dentada.

Esses processos de construção pesada têm um tipo devastador de grandeza primordial e são, de muitas maneiras, mais surpreendentes do que o projeto finalizado —seja uma estrada ou um edifício. A disrupção real da crosta terrestre é por vezes muito atraente e parece confirmar o fragmento 124 de Heráclito: "O mundo mais belo é como um monte de entulho atirado em confusão".

As ferramentas da arte foram confinadas por muito tempo "ao estúdio". A cidade dá a ilusão de que a terra não existe. Heizer chama seus terra-projetos de "a alternativa ao sistema de cidade absoluta".

Há pouco, em Vancouver, Iain Baxter organizou uma exposição de pilhas que estavam localizadas em diferentes pontos da cidade; ele também ajudou na apresentação de um portfólio de pilhas. Despejar e derramar tornam-se técnicas interessantes.

O "sítio tumular" de Carl Andre, uma minúscula pilha de areia, foi exibido no ano passado embaixo de uma escada no Museum of Contemporary Crafts. Andre, ao contrário de Baxter, está mais preocupado com o elementar nas coisas. A pilha de Andre não tem conotações antropomórficas; ele dá à pilha uma clareza que evita a ideia de espaço temporal. Uma serenidade se instala.

Dennis Oppenheim também considerou a "pilha" —"os componentes básicos do concreto e do gesso desprovidos de organização manual". Algumas das propostas de Oppenheim sugerem uma fisiografia do deserto —mesetas, colinas, montes aplainados e outras "deflações" (a remoção de material da praia e de outras superfícies de terra pela ação do vento).

Minha própria proposta "Piscina de Alcatrão e Poço de Cascalho" (1966) torna as pessoas conscientes do lodo primordial. Uma substância derretida é derramada em um tanque quadrado que é cercado por outro tanque quadrado de cascalho grosso. O alcatrão esfria e aplaina-se em um depósito nivelado pegajoso. Esse sedimento carbonáceo traz à mente um mundo terciário de petróleo, asfaltos, ozocerita e aglomerações betuminosas.


Tradução de Antônio Ewbank

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