Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jovens da 'geração Putin' demonstram crescente insatisfação com governo

Presidente russo, há duas décadas no poder, tem desaprovação alta entre menores de 24 anos

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Vladimir Putin, em meio à onda de protestos antigoverno, começa a enxergar com mais clareza contornos de uma ameaça a seu reinado: a mudança geracional. Jovens nascidos a partir de 2000, primórdio do putinismo, cresceram sob o signo de um único dirigente a dominar o Kremlin e flertam com novos rumos, em tendência captada por pesquisa de opinião.

Na faixa entre 18 e 24 anos, 46% dos entrevistados desaprovam a atuação do presidente, enquanto o índice em 2018 era de 18%, apontou estudo divulgado nesta semana pelo Centro Levada, instituto de pesquisa russo notório por sua independência.

O presidente russo, Vladimir Putin, durante vídeoconferência em Moscou - Mikhail Klimentyev - 27.jan.21/Sputnik/Reuters


O levantamento confirma também a solidez da popularidade de Putin entre os russos com mais idade. Entre 40 e 54 anos, a taxa de aprovação alcança 60% e, acima de 55, chega a 73%. Na média dos entrevistados, o índice aponta 64%, nível respeitável, mas algo distante de marcas já atingidas acima de 80%.

Putin deve sua popularidade sobretudo ao contrato social imposto desde 2000. O regime proporciona estabilidade política, econômica e social, mercadoria escassa em décadas anteriores, e, em troca, aplica recuos à incipiente democracia russa, instaurando a mão pesada do putinismo.

A fórmula imposta por Putin encontrou eco na opinião pública local. Havia, no final dos anos 1990, e ainda sobrevive, principalmente entre os russos com mais de 40 anos, colossal demanda por estabilidade, num país com rara experiência democrática, após séculos de tirania czarista e décadas de ditadura soviética.


Os antecessores imediatos de Putin deixaram rastros de crises avassaladoras. Mikhail Gorbatchov, diante da falência soviética, inaugurou em 1985 reformas destinadas a salvar o império comunista. No plano internacional, colheu sucessos, como a contribuição para a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria.

A glasnost (transparência, em russo) também proporcionou inauditas liberdades individuais, mas essas conquistas acabaram ofuscadas pela maior crise econômica desde a tragédia da Segunda Guerra Mundial.

Sob Gorbatchov, o regime dono de potente arsenal nuclear se mostrava incapaz de alimentar adequadamente a população. A URSS, em seus estertores, recebeu ajuda humanitária internacional.

O fracasso de Gorbatchov no plano doméstico impulsionou, em 1991, a ascensão de Boris Ieltsin, seu principal adversário político. O projeto ieltinista prometia “terapia de choque”, para injetar capitalismo e salvar a economia, e anunciava avanços democráticos.

Porém, famoso pela personalidade mercurial, Ieltsin governava de crise em crise. Chegou a ordenar o bombardeio de um Parlamento dominado por oposicionistas e liderou controversas privatizações, apontadas como meio para irrigar canais de corrupção. Houve a crise financeira de 1998, com desvalorização do rublo. Máfias se expandiram.


Então chefe da FSB (uma das agências sucessoras da soviética KGB e responsável pela segurança doméstica), Putin virou premiê em 1999 e, após renúncia de Ieltsin, ascendeu ao Kremlin, apoiado no fato de liderar os “siloviki”, termo russo para designar integrantes do aparato de defesa e de repressão. E o novo presidente, eleito pela primeira vez em março de 2000, impôs seu contrato social.

No entanto, muitos dos que nasceram a partir daquele ano não fazem a comparação com o passado recente, cresceram em tempos mais estáveis e entendem a era Putin essencialmente pelo viés do autoritarismo. Querem novos rumos. Chega, com a mudança geracional, um vetor de ameaça a um presidente com sinais de planos para tentar permanecer no poder até 2036.

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