Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky
Descrição de chapéu Rússia

Viagem de Biden à Ásia evidencia contrastes com início da era pós-Guerra Fria

Naquele período, blocos comerciais se expandiram mais do que alianças militares

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Em tempos turbulentos de modelagem de um cenário global multipolar, o papel, a criação e a especulação a respeito de novos blocos militares ofuscam iniciativas de integração econômica, em claro contraste com os primórdios da era pós-Guerra Fria, quando alianças comerciais davam o tom geopolítico.

A recente visita de Joe Biden à Ásia ilustrou a tendência, pois dominaram a agenda temas de segurança, sob a sombra da reunião, em Tóquio, do Quad, grupo liderado por Washington para, no aspecto de segurança, conter influências chinesas.

O presidente dos EUA, Joe Biden, durante encontro com o premiê da Índia, Narendra Modi, à margem da cúpula do Quad, em Tóquio
O presidente dos EUA, Joe Biden, durante encontro com o premiê da Índia, Narendra Modi, à margem da cúpula do Quad, em Tóquio - Saul Loeb - 24.mai.22/AFP

Biden tinha na bagagem o Quadro Econômico Indo-Pacífico, amplo acordo comercial para recuperar peso sobretudo num universo asiático moldado pelo dinamismo da China. O projeto democrata, no entanto, esmaeceu diante da alta temperatura de debates como apoio americano a Taiwan numa eventual invasão chinesa à ilha.

Focos e ênfases da turnê bidenista por Coreia do Sul e Japão representam o "zeitgeist". Falar de bloco militar, numa era marcada pela trágica invasão da Ucrânia pela Rússia, virou lamentavelmente sinal dos tempos atuais, longe das conversas quase monopolizadas por competição comercial, conceito a abastecer o mundo diplomático ao longo dos anos 1990.

Imperava à época o mundo unipolar, dominado pelos EUA, após a desintegração da URSS. Washington festejava a vitória na Guerra Fria, e seus ideólogos propagavam a predominância dos "american values", com defesas da economia de mercado embaladas pela opção de ninguém menos do que o Partido Comunista Chinês em embarcar em mecanismos capitalistas.

Competições econômicas, portanto, vão substituir disputas ideológicas, afirmava-se então. Deslanchou-se uma corrida pela formação de blocos comerciais, com o objetivo de integrar e ampliar mercados.

Em 1989, um pioneiro da tendência surgiu com o nome de Cooperação Econômica Ásia-Pacifico, projeto mastodôntico para unir 21 nações como EUA, China e Rússia. A criação da área de livre comércio nunca decolou, mas durante anos os líderes se reuniam para, além de tirar fotos com trajes típicos do país anfitrião, impulsionar relevante fórum diplomático.

Na ânsia de diminuir tarifas e barreiras alfandegárias, proliferaram blocos como o Nafta, em 1994, com EUA, Canadá e México, e o Mercosul em 1991, com os fundadores Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Em 1992, a integração no velho continente se intensificou e assinou um tratado para se chamar União Europeia.

Arranjos militares obviamente permaneciam. A Otan se expandia, interveio em guerras da desintegração iugoslava e enviou tropas ao Afeganistão, após o 11 de Setembro de 2001. Mas as siglas mais frequentes no noticiário eram as de tratados econômicos e de disputas comerciais.

Hoje, embora sejam ainda a potência hegemônica inconteste, os EUA testemunham a ascensão da China, o novo peso global da Índia, os desafios da Rússia e a revitalização da União Europeia. São sinais da nova multipolaridade.

E, nesse cenário a se moldar, voltam aos holofotes alianças militares e de segurança, como Otan, Quad, Aukus (Austrália, Reino Unido e EUA) e Organização de Tratado de Segurança Coletiva, com seis países sob liderança do Kremlin. E há quem aposte na Organização de Cooperação de Xangai, a reunir Rússia e China e mais seis integrantes, como embrião de um eventual bloco de natureza bélica.

Várias leituras históricas apontam a inevitabilidade de turbulência e instabilidade na transição de um cenário unipolar a um multipolar. Mas que os líderes globais não se esqueçam de que, mais do que nunca, a diplomacia é a única saída.

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