Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Egito teme nova Primavera Árabe em meio a efeitos da Guerra da Ucrânia

Com medo de protestos, Cairo age contra alta de preços e busca ajuda de aliados

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Dono de um peso histórico, político e demográfico ímpar no Oriente Médio, o Egito se mobiliza nas últimas semanas para enfrentar, em sua economia, as consequências da Guerra da Ucrânia, avaliadas como ingredientes potenciais para gerar uma onda de turbulência a lembrar a Primavera Árabe, iniciada em 2010.

Países aliados, preocupados com a eclosão de manifestações provocadas, por exemplo, pelo aumento no preço de alimentos e pela inflação, já montaram pacotes bilionários de ajuda econômica ao Cairo.

A reação rápida de Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes Unidos significou o anúncio de ajuda e de investimentos a superarem a casa dos US$ 20 bilhões. O Egito também solicitou auxílio ao Fundo Monetário Internacional.

O egípcio Abdul al-Sisi entre o emiradense Mohamed bin Zayed al-Nahyan e o israelense Naftali Bennett em encontro em resort de Sharm el-Sheikh no mês passado - Divulgação Presidência do Egito - 22.mar.22/AFP

Governado desde 2014 pelo general Abdul al-Sisi, o país costuma liderar o ranking dos importadores globais de trigo, com cerca de 80% das compras antes oriundas da Ucrânia e da Rússia. A tragédia da guerra no Leste Europeu também chegou a significar o estancamento da chegada de russos e ucranianos ao turismo, responsável por 12% do PIB e por cerca de 2 milhões de empregos.

Em eras anteriores à pandemia, viajantes de Kiev e Moscou lotavam resorts egípcios, ocupando o topo no ranking de visitantes estrangeiros. Havia a previsão, antes da guerra, da chegada de 7 milhões de turistas neste ano, o dobro em relação a 2021, com metade deles vindos de Rússia e Ucrânia.

A busca por turistas se apoia agora no redesenho da geopolítica médio-oriental. Os esforços do Cairo se concentram em atrair israelenses sobretudo a resorts da região de Sharm el-Sheikh, no litoral do mar Vermelho. Em 2019, apontam algumas estimativas, cerca de 700 mil visitantes desembarcaram de aviões de Israel em solo egípcio.

O regime do general al-Sisi aposta na intensificação de laços com Israel, com objetivos principalmente econômicos. Enxerga no ex-inimigo —com quem assinou um acordo de paz em 1979, o primeiro entre o Estado judeu e um país árabe— um parceiro comercial e na área de investimentos, com relevante papel a contribuir na dinamização da economia egípcia.

Em março, al-Sisi recebeu em Sharm el-Sheikh os governantes Mohammed bin Zayed, dos Emirados Árabes Unidos, e Naftali Bennett, de Israel. A conversa abordou, entre outros temas, as consequências econômicas da Guerra da Ucrânia no Oriente Médio.

Em jogo, a estabilidade regional e a sobrevivência de diversos regimes autoritários da região. No caso do Egito, aumento de preços de alimentos esteve na raiz de três ondas de protestos.

Em 1977, na era Anuar Sadat, houve a "revolta do pão", quando cerca de 800 pessoas ficaram feridas, num cenário de repressão militar. Em 2011, as manifestações responsáveis pela queda de Hosni Mubarak, no poder desde 1981, carregavam como um dos slogans mais populares "pão, liberdade, justiça social". Seis anos depois, já durante a era al-Sisi, protestos irromperam em várias cidades em reação a cortes de subsídios em derivados do trigo.

Ecos de uma nova Primavera Árabe, com protestos e turbulência social, preocupam o Cairo e aliados como as monarquias conservadoras do golfo Pérsico. Por isso, sauditas, qatarianos e emiradenses não hesitaram no momento de socorrer a economia egípcia.

Com recursos adicionais, o Egito já apontou na direção da Índia como fonte substituta para o trigo antes importado de Rússia e de Ucrânia. E, para impulsionar o turismo, conta com novos voos, de Tel Aviv a Sharm el-Sheikh.

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