Jerson Kelman

Engenheiro, foi professor da Coppe-UFRJ e dirigente de ANA, Aneel, Light, Enersul e Sabesp

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Descrição de chapéu Energia Limpa

Sobre carros e usinas

Carros não estão sempre na velocidade máxima, nem usinas na capacidade máxima

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Dificilmente alguém compraria um carro considerando apenas a sua velocidade máxima. O comprador provavelmente se interessaria também por outros atributos —por exemplo, quantos quilômetros faz por litro.

Analogamente, as usinas elétricas se caracterizam por múltiplos atributos. O mais comum é a máxima capacidade instantânea de produzir eletricidade, chamada de potência e medida em megawatt (MW).

Assim como os carros não se deslocam sempre à velocidade máxima, as usinas também não operam à capacidade máxima. Interessa saber quanta energia conseguem produzir num intervalo de tempo, em geral um ano, medida em MWh/ano ou, equivalentemente, em MWmed. Uma usina de 100 MW que produza em média 40% dessa potência ("fator de capacidade" igual a 40%) "vale" energeticamente 40 MWmed. Esse e outros atributos, como a flexibilidade (assunto para outra coluna), também são importantes.

Barragem da usina de Balbina (AM) - Eletrobras/Divulgação

Há diversas razões para uma usina não funcionar 100% do tempo à plena potência, mas a principal é a falta de "combustível". O "combustível" de uma usina solar é a radiação solar, que varia durante o dia e é zero à noite. O fator de capacidade no ensolarado Brasil chega a 20%.

O "combustível" de uma usina eólica é a velocidade do vento, altamente variável. Nos locais favoráveis, o fator de capacidade é cerca de 50%.

Nas hidroelétricas, o combustível é a água dos rios, que segue o padrão das chuvas, e o fator de capacidade é da ordem de 60%. Portanto, uma hidroelétrica produz tipicamente três vezes a energia de uma solar de mesma potência em cada ano.

Há outras diferenças: a solar e a eólica não são despacháveis, porque não estão sempre prontas para produzir a eletricidade quando necessário, já que dependem de o sol brilhar ou de o vento soprar, embora sejam mais baratas em termos de R$/MWh. Ao contrário, as hidroelétricas com reservatórios são despacháveis, isto é, conseguem atender às flutuações da demanda. Há outras categorias, como as nucleares e as térmicas convencionais, que queimam combustíveis fósseis ou biomassa.

Usina termelétrica Jaguatirica 2, perto de Boa Vista (RR) - Lalo de Almeida/Folhapress

Não é preciso esticar a explicação para concluir, primeiro, que não se podem comparar usinas com diferentes atributos medindo apenas a potência em MW. Segundo, que o parque gerador deve ser formado por uma mistura de fontes energéticas com os atributos necessários para alcançar três objetivos: segurança energética, baixo custo e controle da emissão de gases de efeito estufa.

O Brasil tem agências públicas capazes de organizar processos competitivos para formar uma matriz elétrica com essas características. Porém, esse patrimônio institucional tem sido erodido pela atuação conjunta de lobbies e congressistas que têm logrado a aprovação de leis que forçam a adoção da fonte A ou B com base em raciocínios simplistas do tipo "é preciso ancorar a interiorização do gás natural" ou "a fonte A é a mais limpa e barata".

Parque eólico da Casa dos Ventos no Nordeste - Casa dos Ventos/Divulgação

Devido a essa ação não sistêmica, temos hoje um parque gerador desequilibrado. Há sobra de energia, mas a conta de luz de 99% dos consumidores fica cada vez mais cara.

Pode piorar. A Câmara dos Deputados acrescentou diversos "jabutis" ao projeto de lei sobre usinas eólicas offshore, que na versão original não era polêmico, para viabilizar a construção de usinas desnecessárias ao atendimento energético. Há até previsão de produção compulsória de eletricidade a partir de fontes fósseis, mesmo quando houver excesso de energia renovável!

Os "jabutis", se aprovados, custarão R$ 25 bilhões ao ano (até 2050) e aumentarão a conta de luz em 11%. O Senado tem a obrigação de barrar essa barbaridade.

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