Conheça o piloto suíço que anunciou volta ao mundo em avião a hidrogênio

Bertrand Piccard mira nova aventura após rodar o planeta em balão e cruzar continentes em aeronave movida a energia solar

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São Paulo

Após sobrevoar o planeta em um avião cuja fonte de energia era a luz solar, o piloto e psiquiatra suíço Bertrand Piccard, 66, se prepara para uma nova aventura: dar a volta ao mundo a bordo de uma aeronave movida a hidrogênio —um voo sem escalas programado para 2028.

O anúncio foi feito em fevereiro pela fundação do piloto, a Solar Impulse Foundation, criada para promover projetos sustentáveis e soluções para os desafios climáticos.

Bertrand Piccard é um homem branco que veste um casaco laranja e calça escura. Ele está ao lado de um avião.
Bertrand Piccard e o avião Solar Impulse 2, movido a energia solar - Trevor Collens - 20.jun.16/AFP

Natural de Lausanne, cidade da Suíça, Bertrand Piccard herdou de sua família o gosto pelos desafios da engenharia. O avô Auguste Piccard (1884 -1962) chegou à estratosfera em balões com cabines pressurizadas, em 1931 e 1932. À época, ele atingiu 16,2 mil metros de altitude.

Já Jacques Piccard (1922-2008), pai de Bertrand, mirou o fundo do mar e chegou a uma profundidade de quase 11 quilômetros a bordo do batiscafo (veículo submersível semelhante a um submarino) "Trieste", com o colega Don Walsh, em 1960.

Bertrand Piccard viveu sua primeira notória aventura em 1999, junto do britânico Brian Jones. Eles se tornaram os primeiros a dar a volta ao mundo, sem escalas, a bordo de um balão batizado de Breitling Orbiter 3.

Em cerca de 20 dias, foram mais de 40 mil quilômetros percorridos até a dupla finalmente completar a viagem e pousar no Egito, em março daquele ano. Antes, Piccard já tinha tentado dar a volta ao mundo outras duas vezes, mas não obtivera sucesso.

Foi durante a viagem de balão, preocupado se teria combustível suficiente para terminar seu voo, que o piloto suíço traçou seu próximo objetivo: sobrevoar o planeta em um avião movido a energia solar, sem depender do uso de fontes de energia fósseis.

"Nós partimos com 3,7 toneladas de propano líquido [no balão] e aterrissamos com 40 quilos. Quando vi aquilo, fiz a promessa para mim mesmo de que, na próxima vez que voasse ao redor do mundo, seria sem energia fóssil, para estar seguro e não ser ameaçado pelo medidor de combustível", contou Piccard em uma palestra em 2010.

Havia um obstáculo pela frente. Até então, alguns aviões movidos a energia solar já tinham decolado, mas só podiam voar durante o dia.

O projeto, que contou com a ajuda do piloto suíço André Borschberg, foi anunciado em novembro de 2003. Em seu primeiro protótipo, revelado em 2004, a aeronave possuía quase 12 mil células fotovoltaicas, responsáveis por capturar a energia solar e transmiti-la em forma de eletricidade para os motores.

O design foi pensado para minimizar o peso da aeronave e otimizar o consumo de energia. A envergadura (distância entre as asas) era equivalente a de um Airbus A340 (aproximadamente 60 metros); o peso, porém, era semelhante ao de um carro.

Depois de vários testes e simulações, os primeiros voos diurnos aconteceram em 2009. Mas foi no ano seguinte que o avião, chamado de Solar Impulse, conseguiu voar à noite, em uma viagem que durou 26 horas. Em 2012, a aeronave fez seu primeiro voo internacional, da Suíça para o Marrocos.

Dois anos depois, uma nova etapa. O avião precisava ficar mais forte e robusto para fazer voos de vários dias que atravessariam oceanos. Com esse objetivo, o Solar Impulse 2 foi construído. A nova versão tinha 72 metros de envergadura, pesava 2,3 toneladas e possuía mais de 17,2 mil células fotovoltaicas.

Entre 2015 e 2016, a fase final do projeto saiu do papel. Foram 25 horas de voos distribuídas por vários meses, com paradas em diversos pontos do globo, como Estados Unidos, China e Japão. Piccard e seu colega no projeto, o piloto Borschberg, se revezavam no comando da aeronave.

Sua próxima aventura já tem data marcada para 2028. Piccard quer voar agora em um avião movido a hidrogênio verde —um combustível limpo produzido a partir de eletricidade renovável.

A construção do avião já começou, segundo a Solar Impulse Foundation, e deve terminar daqui a dois anos. Depois serão mais outros dois anos de testes até que Piccard consiga decolar na aeronave com seu parceiro da vez, o engenheiro Raphaël Dinelli.

De acordo com a entidade, o maior desafio do projeto é manter o hidrogênio líquido a uma temperatura negativa de 253°C durante os nove dias de voos previstos. Para isso, terão de usar tanques termais adaptados para a jornada.

Entusiasta da tecnologia, Piccard disse, em vídeo gravado para o canal de YouTube TEDx Talks em 2021, que a inovação tecnológica tornou rentável a proteção do ambiente.

Segundo ele, no entanto, soluções inovadoras e sustentáveis não são conhecidas por causa do "sistema regulatório desatualizado e baseado em tecnologias antigas". "Nós não estamos mais na situação de escolher entre decrescimento, que traz caos social, ou crescimento quantitativo ilimitado, que leva ao desastre ecológico", diz Piccard no vídeo.

Em seu livro "Réaliste - soyons logiques autant qu’écologiques" ("Realista - sejamos lógicos e também ecológicos", na tradução para o português), Piccard fala de um crescimento qualitativo —visão que, segundo ele, não é pessimista nem otimista. Ele defende a junção de ambientalistas, população, governos e empresas para encontrar soluções que protejam a natureza.

Por meio da Solar Impulse Foundation, Piccard lançou a meta de encontrar mais de mil soluções pelo mundo para o crescimento qualitativo.

O objetivo foi atingido, segundo a entidade, que apresenta em seu site as soluções. Elas abrangem setores como mobilidade, energia e agricultura. As ideias vão desde um sistema de estrada elétrica —que carrega veículos estacionados ou em movimento— a um biopesticida que utiliza feromônios para expulsar pragas.

"Eu considero o chamado crescimento ilimitado uma aberração perigosa e o decrescimento uma filosofia sem psicologia, porque ignora a natureza humana. Nenhum dos dois, na minha opinião, oferece um caminho realista para evitar o desastre que estamos preparando. Devemos romper com quaisquer divisões convencionais e encontrar um terceiro caminho. Isso é o que eu chamo de crescimento qualitativo", escreve Piccard em um trecho de seu livro.

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