Jerson Kelman

Engenheiro, foi professor da Coppe-UFRJ e dirigente de ANA, Aneel, Light, Enersul e Sabesp

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Jerson Kelman

Transição energética, lá e cá

Nossa contribuição para resolver problemas globais não pode prejudicar a solução de problemas locais ainda pendentes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A humanidade já protagonizou diversas transições energéticas, sempre na direção do aumento da produtividade. Da força dos próprios músculos para a tração animal, a máquina a vapor, o motor de combustão, a eletricidade...

A atual transição energética é diferente. Não visa fazer as coisas de modo mais eficiente, e sim mitigar uma externalidade —a emissão de gases de efeito estufa— que pode causar mudanças climáticas catastróficas para parte da humanidade.

Digo "parte da humanidade" porque, embora o aquecimento global afete pessoas de todos os países, não o faz de maneira uniforme. Os riscos e as oportunidades variam de local para local.

Por exemplo, quem vive perto da costa pode ser prejudicado pelo aumento do nível médio do mar, resultante do derretimento das geleiras. Já quem vive na Sibéria pode ser beneficiado por temperaturas mais amenas.

No atual estado tecnológico, produtos descarbonizados custam mais caro do que os feitos com o uso de combustíveis fósseis. É o que Bill Gates chama de "green premium".

A disposição de pagar o "green premium" também varia de país para país, em função do nível de desenvolvimento.

Nos países ricos, grande parte da população pode se dar ao luxo de fazer pequenos sacrifícios no presente —pagar "green premiums"— para assegurar às próximas gerações um futuro ao menos tão confortável quanto o atual.

Já nos países pobres, em que falta tudo, é difícil impor ainda maiores restrições à grande parte da população para assegurar um futuro melhor para as próximas gerações.

Essas diferenças confirmam o acerto de estabelecer que a meta para redução das emissões seja voluntária e específica de cada país.

Para os países que detêm vantagens comparativas na produção de energia renovável, como o Brasil, a produção e exportação de produtos com baixo teor de carbono pode ser o motor do desenvolvimento sustentável.

Todavia, para que o Brasil se torne uma "potência verde", é preciso que haja um mercado externo comprador desses produtos.

Há razões para dúvida. A experiência mostra que a receptividade de eventuais compradores de nossos produtos low carbon poderia ser melhor. Por exemplo, o Brasil tem exportado menos etanol para misturar à gasolina da China e dos países europeus do que seria desejável e possível.

Na direção oposta, ocorreu uma recente decisão do governo da Alemanha de doar 3,5 bilhões de euros para cobrir a diferença entre custo de compra de hidrogênio verde (H2V) no mercado internacional e a receita de venda do produto no mercado doméstico.

A empresa Hint.Co, receptora da doação, comprará H2V de empresa de fora da Alemanha, num contrato com duração de 10 anos, e o venderá mais barato dentro da Alemanha por meio de contratos anuais. Ou seja, o contribuinte alemão pagará o "green premium".

Trata-se de uma boa oportunidade para testar se o Nordeste pode se tornar um relevante exportador de H2V, tomando partido da proximidade geográfica com a Europa e da energia elétrica produzida por fontes renováveis.

Caso potenciais fabricantes de H2V na região não ganhem o leilão organizado pela Hint.Co, ou se só tiverem condições de ganhar com significativa ajuda governamental, o governo (lato sensu) deve resistir à tentação de usar dinheiro do contribuinte brasileiro para pagar parte do "green premium".

Nossa contribuição para a solução dos problemas globais do século 21 não pode prejudicar a solução de problemas locais ainda pendentes do século 20 nas áreas de educação, saúde, segurança e saneamento básico.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.