Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Joanna Moura
Descrição de chapéu Todas Família maternidade

Quanto realmente sabemos sobre a nossa própria fertilidade?

Quando adolescente, achava que qualquer espermatozoide a três metros de distância poderia me engravidar

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Essa semana menstruei pela primeira vez depois de um ano do nascimento do meu segundo filho. Quando ele nasceu decidimos que a fábrica tinha fechado, mas o sangue que hoje manchou a minha roupa de cama branca, me diz o contrário. A fábrica ainda está em pleno funcionamento, máquinas operando normalmente.

O retorno oficial da minha fertilidade, me fez lembrar do momento em que decidi começar a tentar engravidar, seis anos atrás. Lembro claramente do som dos fones abafando o barulho da cebola fritando na frigideira. Nos meus ouvidos, duas mulheres conversavam, sob o pretexto de um podcast que não lembro o nome. Uma delas tinha filhos e a outra não. Lá pelas tantas, a que não tinha filhos perguntou para a que era mãe como ela havia decidido que aquele era o momento certo para engravidar.

"Não quis esperar mais? Teve medo de que um filho fosse atrapalhar a carreira? Não pensou em esperar um pouco mais?"

Quando tentei engravidar, me dei conta que atingir esse objetivo não seria tão fácil - Adobe Stock

A resposta veio rápida: "Não. Eu tinha 35 anos. Eu sabia que se esperasse chegar onde eu queria chegar profissionalmente, talvez fosse tarde demais."

A frase me jogou num transe do qual só saí quando o cheiro de cebola queimada acordou meus sentidos. Como ela, eu também tinha 35 anos e sabia que queria engravidar um dia. Talvez aquele fosse um sinal de que esse dia tinha chegado.

"Quero começar a tentar", disse pro marido assim que ele botou os pés em casa.

"Tentar o que?"

"Engravidar."

Tentamos já naquela noite. E no dia seguinte me olhei no espelho e vi um viço na pele que eu juro que não estava lá no dia anterior. Vinte dias depois descobri que o tal viço era só oleosidade mesmo.

Tentamos por alguns meses. No início, toda transa vinha acompanhada de uma troca de olhares doce e um suspiro cheio de certeza: dessa vez foi. Mas não ia.

Diante do insucesso inicial, decidi não permitir que minha cabeça formulasse a pergunta que ela obviamente queria formular (e que, suponho, formulam quase todas as mulheres que já tentaram, em algum momento, engravidar). Resolvi estudar antes e panicar depois. Foi aí que, pela primeira vez na vida, baixei um desses aplicativos de monitoramento de fertilidade.

Ao abrir o tal app, dei de cara com uma série de perguntas para as quais eu não tinha respostas: "Quantos dias tem o seu ciclo?" ou "Quando foi a sua última menstruação?". Me senti incompetente na minha própria pele. Inventei um tanto de respostas e fui presenteada com um calendário personalizado (ou minimamente adequado às minhas respostas fictícias). Para minha surpresa, dos 30 dias do mês, tinha um que era o pico da fertilidade, aquele dia em que o óvulo tá ali na cara do gol. Segundo o aplicativo, nesse dia e somente nesse único dia, eu teria cerca de 20% de chance de engravidar. Vinte por cento. Num único dia. Nos demais, era ladeira abaixo. Claro que é possível argumentar que 20% é uma bela chance. Imagine ter 20% de chances de ganhar na Mega Sena. Por outro lado, se eu entrasse numa cirurgia e o médico dissesse que eu tinha 20% de chance de sobreviver, eu teria dado meia volta e ido procurar outro.

A verdade é que me senti enganada. Passei a adolescência inteira acreditando que se um garoto ejaculasse há três metros de distância, algum espermatozoide mais malandro ainda assim poderia encontrar o caminho até o meu útero. Transava usando dois, três métodos contraceptivos de uma vez para garantir a bendita menstruação no fim do mês. E sofria quando ela atrasava dois, três dias, mesmo em meses em que eu não tinha transado com ninguém. E agora, a essa altura do campeonato, bem na hora que eu quero engravidar, eu descubro que no dia mais fértil do mês, tem só 1 chance em 5 da coisa dar certo? Não era à toa que não tinha rolado em 3 meses. Diante daquela descoberta, pareceria um milagre se acontecesse em 3 anos.

E o milagre aconteceu. Para minha surpresa, consegui engravidar naquele mesmo ano, alguns meses depois da minha epifania.

A surpresa só não foi maior do que aquela que veio três anos depois, ao descobrir que estava grávida do meu segundo filho. A gente achou que estava se protegendo, mas aparentemente não tão bem assim. O desaviso foi tanto que, ao me deparar com alguns sintomas da gravidez, eu pensei que estava pré-diabética, ao invés de grávida. A verdade é que as oportunidades de concepção tinham sido poucas naqueles meses anteriores, se é que você me entende. Então, quando fiz o xixi no palitinho e as duas listras apareceram, eu me senti a mais fértil das criaturas.

Hoje, com o retorno do meu tsunami vermelho mensal, me peguei pensando em como teria sido se, lá atrás, alguém tivesse me mandado a real sobre essa coisa toda de fertilidade. Se o discurso de medo da adolescência tivesse sido substituído por um papo reto sobre mitos, verdades, proteção e planejamento de vida. Se junto com a fisiologia da reprodução que prepara pro vestibular, viesse a conversa humana que prepara pra vida.

Queria ter tido um canal aberto pra aprender que é impossível engravidar a três metros de distância mas que é muito possível transar numa boa e não engravidar se protegendo corretamente. Queria que alguém tivesse me avisado que se e quando eu enfim estivesse pronta para ser mãe, a gravidez não aconteceria de uma hora pra outra e, mesmo transando de segunda a segunda, nada estaria garantido.

Certamente essa clareza teria me poupado de preocupações equivocadas naquela época e de frustrações equivocadas agora. E certamente ainda me pouparia de outras preocupações, frustrações e desconfortos futuros. Mas falar abertamente e claramente sobre fertilidade em toda sua complexidade significa permitir que mulheres tomem as rédeas de suas próprias vidas, tomem suas próprias decisões com consciência, planejem seus próprios futuros (com ou sem filhos). Verdadeiramente, falar sobre fertilidade significa dar às mulheres um tipo de conhecimento perigosíssimo para o patriarcado: o conhecimento sobre elas mesmas.

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