Colo de Mãe

Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. Apaixonada pelas filhas e por literatura, é jornalista de economia na Folha

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Descrição de chapéu Família maternidade

As mentiras que nos contam sobre a fertilidade feminina

Embora a ciência tenha evoluído muito, mãe natureza e pai tempo podem ser implacáveis com mulheres e homens

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São Paulo

A capacidade da mulher de produzir dentro de si um outro ser humano é ainda um mistério encantador que faz com que a sociedade continue a acreditar em alguns mitos ligados a esse processo.

Por mais que a ciência tenha avançado e nos traga cada vez mais respostas e realizações, o senso comum ainda acredita que a reprodução feminina é algo mágico, iluminado, que acontece a qualquer momento, quando Deus ou o universo quer.

Ocorre que esses mitos ajudam a alimentar mentiras sobre a fertilidade feminina, fazendo com que a crise de fertilidade pela qual a humanidade vem passando, que também envolve os homens e pode se tornar algo grave, continue sendo assunto secundário.

Rihanna exibe gravidez
Rihanna exibe barriga - Rihanna no Instagram

A primeira coisa que aprendi biologicamente na escola é que nós, mulheres, nascemos com um número de óvulos predeterminados por toda a vida, que, um dia, irão chegar ao final, acabando com nossa possibilidade de procriação. Mas nem todo mundo aprende isso, e nem todo mundo presta muita atenção nessa aula. Resultado, joga-se para Deus ou para o universo o "milagre" da reprodução humana.

Essa barreira da quantidade de óvulos está sendo vencida pela ciência, mais precisamente pela indústria da fertilização, fazendo com que mulheres consigam ter seus rebentos da forma tardia, no momento em que julgue ser melhor para elas —e sou totalmente a favor dessa escolha. No entanto, essa possibilidade é cara e não está acessível a todas.

Outro ponto importante é a capacidade de fixação no útero de um embrião produzido por meio da reprodução assistida, que diminui drasticamente com a idade da mulher e, especialmente, conforme o seu estilo de vida. Mulheres que fumam, bebem, não fazem exercício físico, não têm alimentação regrada ou estão acima do peso têm sua fertilidade comprometida.

Mais um ponto que nos escondem é sobre a capacidade de homem de gerar uma nova vida. Segundo nos dizem, ela é infinita, já que, diferentemente dos óvulos, espermatozoides não deixam de ser produzidos. Mas o estilo de vida moderno, com os microplásticos que estão no ar, excesso de trabalho, poluição em grandes cidades e falta de cuidados com a saúde —algo mais típico do homem do que da mulher— fazem com que o espermatozoide adoeça.

Outro mito é que adiar a maternidade é a melhor solução diante dos desafios do mercado de trabalho. A mulher chegaria ao topo da carreira antes e, após ter seu filho, já terá sido valorizada a ponto de que o mercado não a rejeite mais. Grande engano. Uma mãe é sempre uma mãe para o mundo corporativo. Seja ela com 18 ou 50 anos. Oportunidades vão ser tiradas, e é preciso falar sobre isso.

Há também os casos em que as mulheres são vítimas de múltiplos abortos, e carregam consigo essa dor, sem conseguir compartilhar ou tratar de forma menos dolorosa esse momento. Neste caso, não se trata de um mito, mas de algo que fica restrito por se tratar de assunto pessoal e delicado. E, quando não se encara o assunto de forma científica, sem expor a mulher que sofre, a sociedade não avança.

Outros casos envolvem a polêmica da ovodoação, prática na qual as mulheres recebem óvulos doados, mas assunto que poucas, quase raras, querem falar. No mundo das famosas, apenas Viviane Araújo abre o jogo sobre essa questão. É preciso se respeitar esse direito, mas, no mundo do mitos e na sociedade da imagem, muitas mulheres fazem parecer gravidez natural quando, na realidade, passaram por tratamento.

É preciso que fique claro que a mulher pode e deve escolher ela mesma a hora de ser mãe, que pode ou não falar sobre suas perdas gestacionais, e pode ou não revelar suas práticas contra a infertilidade —incluindo a ovodoação.

Mas precisamos deixar de naturalizar essa ideia de que basta esperar o milagre para realizar o sonho de ser mãe. Eu acredito em milagres. Eles acontecem a todo tempo. Do ponto de vista da existência humana, toda vida é um milagre, mas não podemos desconsiderar a realidade e a ciência. Se formos respeitadas, se nossos corpos forem respeitados, o caminho da maternidade pode ser muito mais leve.

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